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Sabes? As minhas mãos percorrem as tuas coxas como autómatos cegos. Sobem ao encontro dos húmidos e escaldantes precipícios que se erguem para lá da memória, como se guiados por fios invisíveis de desejo e vertigem. Mergulham como pássaros enlouquecidos, como títeres vagabundos navegando na volúpia da pele, na fragrância das carnes ocultas. Os dedos desesperam. Ocultam-se para lá da penugem que cresce nos vales profundos do corpo. Tudo geme e estremece. E grita na noite sem fim. Nos confins da memória, uma névoa difusa ergue-se envolvendo os socalcos que me foram revelados por deuses desavindos. Não sei se vá para longe, se me enrole em ti. O passado já não existe, se é que existiu mesmo, com a mesma claridade dos dias em que te conheci. Não me consigo lembrar do teu sorriso de outrora. Da tua irresponsável tristeza galopando em gargalhadas indomáveis. O nada vestindo a raiva do desejo. O nada encantando o estertor do encontro brutal dos corpos. Camuflando o que restou depois da tempestade.
Sabes? Se as minhas mãos respondessem aos pensamentos, poderíamos encontrar um caminho mais justo. Mais fácil de percorrer nas noites sombrias do tempo que se anuncia. Do tempo que se esgota quando o amor nos transporta.
As minhas mãos regressam e aquilo que resiste soçobra sedimentando na pradaria coberta de escamas purulentas. Enfim livre, carregando a culpa de não te ter.
Monte Gordo, 17/12/2019
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