Do mestre do autoplágio...
"A minha vida foi, quase sempre, que o sempre é uma abstração, uma procura. A inquietude que nos devora impeliu-me a rasgar caminhos até um lugar de quietude onde a existência fosse uma continuidade natural. É certo, sabia-o antes de avançar para o vazio, que essa quietude mítica e desejada não existia em lugar algum. E isso fazia-me procurá-la ainda com mais energia e entusiasmo. Sempre que chegava a uma terra que se assemelhava à terra mítica, onde repousava efemeramente os meus ossos, sabia que a tranquilidade que me invadia seria, ela própria, a energia que me traria o desassossego, e me impeliria a partir. A partir persistindo na procura da utopia, no verdadeiro sentido etimológico da palavra, para lado nenhum. O caminho que traçara nas terras por onde passara fechava-se à medida que desbravava novas veredas virgens e não programadas. Indesejáveis e, no entanto, incontornáveis. O regresso, porque muitas vezes ansiava, a memória acenando nos confortáveis meandros da existência longínqua tornava-se, assim, impossível. Só me restava avançar no desconhecido desoculto pelos sonhos de menina. Como a floresta equatorial que se fecha depois de rasgada pelos homens se recompõe sarando as feridas impostas pelo estranho fragor da impossibilidade. E se por acaso trilhasse caminhos já calcados, não reconheceria as pegadas impressas na nebulosidade das superfícies. Já não era eu o eu que ora transportava. Eu, que não recordo os pensamentos destinados ao fracasso, atiro-me sem querer nos inóspitos e pedregosos caminhos da solidão. Não há caminho, como dizia o Machado, o caminho é uma trajetória idiossincrática talhada na vida de quem se apodera de si mesmo. E como só rompe o que contém fragilidade, as membranas mais transparentes, é por aí que o nosso passeio pela eternidade penetra. É por aí que somos conduzidos ao nada. Ao lugar que nos não convém. Voltar atrás é perder os sentidos nos labirintos do afeto. É a solidão couraçada de medo. Só nos resta deixar ir e tentar diminuir os estragos da alma corrompida. A luta não é contra a corrente em sentido contrário, mas sim contra os destroços que a corrente transporta. A fortaleza do labirinto conduz-nos a casa. É aí que nos sentimos bem. Bem como no regaço da nossa mãe.
O cabelo tapa-me a cara. O vento Norte empurra-os, açoitando o rosto, para me esconder de quem passa. À minha frente o Sol desce sobre o mar. Uma estrada de ouro estende-se pelas ondas desaparecendo na luz. Aproximo-me agora da beira do precipício. As aves, de costas, planam na prontidão da tarde. Sobem e descem alterando, minimamente, a posição das penas das asas.
Olho a luz incandescente que me chama. A eternidade das águas anuncia um pesadelo de felicidade nos dias que virão. A enorme bola de fogo desaparece na vermelhidão que a consome e um silêncio, para lá de tudo, impõe-se na noite inicial. E a convergência entre o princípio e o fim principia. Nasce do que finaliza. Enfim. A noite substitui o dia.
Um vento acre e espesso varre o dia. Tudo continuará."