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Depois de ter encontrado o Rui em Tavira (vide último post) encontrámo-nos em sua casa à tarde para afinações na capa e no miolo do seu livro último," Poemas do Banco de Trás. Também lá compareceu, como é óbvio, o paginador e gráfico de serviço, o Nuno Viana. Nas Edições Cativa é assim que se trabalha: autor, editor e gráfico, em conjunto, edificando a obra que se anuncia. A tarefa, ou melhor as tarefas, são extremamente complexas e morosas e saímos dali já ao fim da tarde. O trabalho, é claro, foi acompanhado com bastante cerveja e muitos cigarritos.Fomos em seguida para Cabanas retirar o motor e o panado do imperador da Ria, essa nave lendária que dá pelo nome de Hipantropias. O Inverno especialmente rude deixou estragos no casco da embarcação e é preciso virá-lo, subi-lo para a areia seca e proceder aos reparos e pinturas necessárias. Originalmente construído em madeira, este Doris saído da mítica oficina do mestre Cagones, o último construtor de barcos de madeira em Tavira, apresenta já hoje o fundo coberto por fibra de vidro. Esta, sendo mais fácil de trabalhar do que a madeira, é, também, mais frágil aos encontros indesejáveis com os fundos rochosos que rasgam a casca sintética sobre (neste caso sob) a madeira original. Dificuldades em encontrar calafates e outro mestres de construção e reparo naval na tradicional madeira, levaram o Rui a reparar o fundo do Hipantropias com o material mais comum nas embarcações de hoje e com mais técnicos disponíveis. Para além do fundo, o barco apresenta ainda as velhas madeiras originais do mestre Cagones.
Montados o motor , o panado, os remos e outras partes soltas da nave na minha pick up, deslocámo-nos ao Adriano para beber uma cerveja. Lá chegados encontrámos o amigo Greg e o Baptista e juntámo-nos a beber e a petiscar. Esquecida estava a ideia inicial: beber uma cerveja. O Greg, um lobo do mar inglês que atravessou o Atlântico no seu catamaram, fugido da Venezuela vá-se lá saber porquê, e aportou em Cabanas há já uns anos, falava em Inglês e castelhano, o Baptista, condutor de barcos que levam turistas para a ilha, comunicava em português e castelhano, o Rui, à medida que o tempo passava e as cervejas iam enchendo a mesa, utilizando as línguas referidas e atalhando o francês, eu, que em línguas faladas sou um nabo, lá ia comunicando em português e castelhano, que domino razoavelmente, e à medida que a noite avançava, aventurando nas línguas de sir Alex Fergunsen e Cantona. Chegou então um pescador que venceu um cancro para continuar a ser o melhor pescador da costa do Sotavento. Já não sei em que língua comunicava. A noite avançava e no meu telemóvel caiam mensagens e chamadas. Temia o pior quando chegasse a casa.Quando finalmente a companhia foi desfeita, não sei bem em que circunstâncias nem a que horas, e me dirigi para casa cautelosamente, fui recebido, para meu espanto, com sorrisos por todo o lado e com a sempre agradável expressão, que qualquer homem, ainda por cima já entradote, sempre adora, "vens lindo"!
Como vos tinha dito, no post anterior, o Adão filmou parte da jantarada de despedida do Valdir. Com ele podemos melhor interiorizar o espírito da noite.
Recomendo-vos vivamente o "A Outra Margem" onde, para além de podermos acompanhar momentos da criação do artista, deparamos com documentos únicos e absolutamente comovedores de amigos que já deixaram este mundo físico, mas que para sempre vagabundearão nas nossas vidas de onde nunca os deixaremos partir. Refiro-me aos músicos Telmo "Marroquino" e Sérgio Mestre.
Valdir "Bugiganga" regressa ao distante Paraná. "Pé-Vermelho", volta às terras vermelhas de Londrina.
Depois de alguns meses no Algarve e no Alentejo onde frequentou formação teatral, foi actor, encenou uma obra sua e animou tertúlias e encontros de poetas, deixa o nosso país que foi pequeno demais para o acolher. Os horizontes sem fim do Paraná falaram mais alto... Com o seu coração do tamanho do mundo, deixou nos muitos amigos feitos em tão curta estadia uma saudade que fará para sempre a ponte entre as duas margens do Atlântico.
No palacete semi arruinado de Bela Mandil (perto de Olhão) a noite foi longa e bem regada. Valdir declamou e "voltou" aos seus tempos de menino e moço encantando com as suas aventuras nas terras vermelhas de Londrina. Aventuras de pobreza, alegria de viver e desenrascanço incompreensíveis para europeus aburguesados, mas absorvidas com emoção incontrolada e lacrimejante. Porque será a miséria e a atroz luta pela sobrevivência quotidiana tão bela e magnética?
Outro momento alto da noite foi a apresentação de um longo travelling de telemóvel feito pelo inenarrável Lucas, no bairro da Barreta em Olhão. Uma viagem de bicicleta pelas apertadas e sinuosas ruas da cidade das açoteias. Uma obra única e de arrepiar.
Como tinha ido de carro de Tavira para Olhão não pude acompanhar a embalagem dos vapores etílicos que se estendeu pela madrugada dentro. Retirei-me pelas duas da manhâ, perdendo, com certeza, o melhor da noite. Tive ainda tempo de registar no telemóvel duas ou três fotografias de péssima qualidade que vos vou deixar.
Valdir "Bugiganga", o Pé Vermelho de Londrina...
Fernando Esteves Pinto, romancista, poeta e meu sócio na editora 4 águas...
Rocha, o performer e animador de tertúlias no Café Aliança e no seu Marafado, na Rua do Crime...
José Bivar, o anfitrião. Descendente de El Cid, o Campeador, monárquico, neo-ruralista, artista plástico, criador da famosa Bienal de Faro e o homem que inventou a Rua do Crime e a sua primeira e mítica âncora: os Lábios Nus...
Nunca é demais referir a presença do grande Lucas e também do artista plástico e blogger Adão Contreiras, que registou tudo em video, entre outros e outras.
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