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pedro jubilot
‘atira-te ao mar’
contos na ria formosa
-Marque! Ó Marque! Alevanta-te! -gritava o avô à porta da salinha dirigindo-se para a cozinha de chávena de tófina na mão.
-Conte na valia aquele cafézinhe chê de borras que tu me fazias-me com sopas conde ê cá endava da secada, desabafa António José.
Ao que obtém a resposta da mulher:
-Pô era...e sejava cafeteras, fegão...e o moçe cada vez tá pior. Côme chega cêde ainda se põe a ver vides da telervisão até de manhazinha.
Mestre Toino foi de novo à porta da sala um pouco mais chateado e gritou :
-Marque Entoine! Alevanta-te já desgraçade! Daqui a pouque tenhe o barque em seque.
Pegando no boné saiu falando entre dentes:
-O tê pai e a tu mãe é que tom bem lá da alemonha e ê que me charingue páqui contigue. Vô ma é endande pá do 7 estrelas. Se na apareces lá daqui a dé menutes bem podes ir trabalhar pá zobras que cá nan te dô ma denhere denhum pó reste das féras.
A avó liga a radio atlântico(ela gostava mais da antiga radio restauração do sr. Julinho, ali ao pé da rua de faro mas agora mudaram aquilo e só tocam músicas estrangeiras e estão sempre a falar das bichas de carros em lisboa) e locutor fala pelos cotovelos:
-São 8 e 49 estão já 22 graus e agora o novo êxito dos Iris da Fuzeta para este verão: “Atira-te ao mar”. A avó aproveita a embalagem: -Marquinhe, vai já ter com o tê avô ca maré hoje é boa pa ganhares uma nota.
Por fim o rapaz levantou-se, meteu um ice-tea no bolso e foi comendo uma sandes de queijo preparada pela avó. Levava também, mas metida na cabeça a música com que acordara, e já se sabe o que acontece nestes casos -ela não nos larga para o dia.
Apanhou o avó à porta da taberna: - Tá no ir ó não.
Mestre Toino que já tomara 2 de 5 resmungou:
-Vê lá se te alevantas má cêde quê já tô velhe pa trabalhar pa ti… ainda ê usava fraldas e já ia ó mar.
Ao que o Marco comentou trocista:-devia ser même bué da fixe o avó de dodotes assentade a borde do savêre. E o velho deu-lhe uma carolada na orelha enquanto retorquia:
-Se calhar pensas que do mê tempe avia cá essas mariquices.
Lá empurraram o barco para a água e fizeram-se à Ria Formosa, que já era tarde e o calor apertava. Daí a pouco começaram a labuta.
Mas a teimosa melodia lá vinha à boca do neto:
-«Mó, o qué que fazes aqui».
O avó esclareceu-o: -Pouque barulhe qu’zolhes das amenjoas se fechem.
Mas mesmo com tanto suor entre as cavadelas fundas feitas na areia Marco não conseguia deixar de pensar na música:
-«Má per qué que me dexaste da mão».
Passadas umas boas 3 horas de trabalho à torreira do sol o avô decidiu dar por terminada a tarefa e de regresso ao barco continuava a canção do momento :
-«Dá-me um bêje da boca e chama-me trazan».
O velho pescador já nada dizia, apenas abanava a cabeça, pensando com os seus botões, enquanto se dirigiam para o bote. Quando foi ver o resultado da apanha pelo neto não se conteve em puni-lo:
-Même assim ainda apanhástes muntas amenjoas...com um côrpe desses. Tem ma é vergonha, tem.
E como se fosse uma desgarrada, agora o moço:
-«Tá o mar fête dum cão, nan à choque nem brebegão».
Resposta pronta de Mestre Toino:
-Já me tás a enretar com essa merda de múseca. Ainda levas ma é uma cheparlada do mê da cara.
Para piorar a situação o motor do barco não parecia responder ao apelo manual de iniciar marcha, pelo que Marco se tornou voluntário à força:
-Agarra ma é dos rémes. Do mê tempe e até do tempe do tê pai conde era môçe remávamos o dia tôde. Estes moçes dagóra parecem fêtes de caca.
Ao ver-se ofendido o rapaz usou de novo a canção:
-«Tens cá uma mania que até dá dó».
Mestre Toino percebera a indirecta e quando o jovem se levantou para pegar os remos, ele desviou-se bruscamente para o mesmo lado do barco
Marco esbracejava estragado da vida enquanto na sua cabeça estalava novamente o refrão, desta vez entoado pelo avô:
-«Atira-te ó mar e diz que te empurrarem».
Mas dá a sensação que o Sr. António já tinha aquela fisgada, pois o motor do barco, que se afastava com a corrente, pegou logo a seguir. Marco, esse teve de nadar até à doca, que apesar de tudo não era muito longe.
À noite, depois do jantar, Mestre Toino e a mulher sentaram-se como de costume à porta de casa a falar com os vizinhos, comentado a quantidade de água gasta pelo neto, que finalmente vinha a sair, e ainda magoado com a partida do avô apenas dirigiu um:
-Boa noite avó, até amanhã!
Ela chamou-o: - Olha Marquinhe, espera aí que o tê avô tem uma coisa pa te dar.
Cinco contos para gastar no Festival do Marisco dessa noite. Marco agarrou na nota, que afinal era a paga do seu trabalho, e foi orgulhosamente rua abaixo sem agradecer ao avô.
Mestre Toino não resistiu e comentou:
-Fó mó, o chêre a prefume é má que munte. Tu é que tens uma mania que até dá dó.
(Um conto do meu amigo Pedro tecido (bilros?) com uma música dos Íris da Fuzeta, onde nos podemos deliciar com o
extraordinário falejar de Olhão)
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