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Piso os paralelepípedos da rua molhada pela humidade vigente
Na esquina da anterior profusão de loucura, invento o entendimento
Possível com a escrita que se desembaraça dos outros cosmos
Sentindo a separação indomável, grito do resto da noite que caminha
Até ao fim da rua onde começa a plenitude do restolho húmido e mole
Do Inverno que se avizinha a jogar dados num gozo, numa futilidade
Que faz milagres nas ruas encantadas por físicos e outros mágicos revisitados
No ridículo de uma pedra saída do lugar na calçada luzidia, parando
A vontade dos que construíram a rua sem fim, publicando, simultaneamente, o decreto
Da interdição de parar.
Menos um entrave, diriam os hagiógrafos do local oculto onde se repetem
As existências do real. Assuntos frívolos sem sentido intelectual, beleza que consiste
Na insolvência da poesia erótica. Coisa assim, ou sim sim, no foder incontrolado, apascenta
Os queridos caçadores de pseudodesenhos futuros, animação em plasticina, felicidade
Na ponta da piça, que serão os detentores do nosso voto: o futuro agora!
A propósito, amo pontos de exclamação, uma descoberta genial
Sem escolha, uma figura de cabeça para baixo na sombra das palavras. Pão e circo, orgia Romana, sombra, sombra ardente decifrando os quase famosos.
O futuro é agora! Vamos baixar as conquilhas experimentais da autocrítica. Baixá-las
Até a dor rasgar a genitalidade das criaturas emancebadas. Não há duas sem três, nem três sem outra vez.
Mais liberdade é um silêncio colectivo participando na instalação poética que divulga o halo
Anónimo de outras páginas. Do estertor da outra margem.
Caminho na rua molhada e resvalo na procissão dos que procuram a claridade da sombra.
Monte Gordo
11/10/2010
O plano foi cumprido. Agora, aqui, sentado num velho banco do cais descanso ao sol de Março. A tarde caminha, sem sobressaltos para os braços da noite. As águas mansas refluem para o mar.
O que tinha que ser feito, foi feito.
As lágrimas escaldam na face sem luz. Passam criaturas sem propósito aparente. Atravessam o meu olhar para desaparecerem para sempre. A sua imagem reflecte-se nas águas do rio, como navegadores sem barco. Para eles a tarde não se afunda na memória. É uma tarde como outra qualquer.
Para mim é um final de dia que os tempos vão suster sobre a minha vida. Nunca outra paisagem sucederá no incerto fluir das horas. Para lá da noite, o futuro está morto. Os dias passarão iguais aos dias que virão. A vontade de conhecer a manobra dos passos encontrará a arbitrariedade solta do tempo encalhada num fundo que prende a correnteza do devir. Os ventos anunciarão primaveras nas falas dos transeuntes e a minha solidão ecoará para sempre nesta tarde solarenga de Março.
Amava-a como uma criança que ama o seio que suga na manhã da existência.
Entrara no hospital sorrindo. Caminhava ao encontro da morte como cavalos que galopam na pradaria. Sentia afluência do destino a massajar-me as meninges inquietas. No longo corredor desfilavam as nossas vidas. Emergiam dos rostos deslavados os sonhos parasitas da realidade. No lajedo do velho convento, reflexos de uma criatura sem futuro.De um desconhecido ao encontro das trevas.
Quando a enfermaria 118 se aproximou, perfurando os pensamentos incaracterísticos da loucura, acordo da longínqua alegria de antanho. Desoculto, então, a irrealidade hiante.
A tua face ilumina-se na penumbra tranquila da tarde. No neon que tranquiliza a sucata que te envolve.
As águas desceram tanto que os caranguejos assomam das fendas rochosas. A tarde arrefeceu brutalmente e sinto calafrios na pele brutalizada. Não tarda e as estrelas iluminarão a noite.
Não me interessa mais percorrer os caminhos que me esperam. Os tempos que inundam a paisagem., arriscam cânticos de embalar. Rituais que outrora me arrastariam no rodopiar das calmarias. Nos equilíbrios redundantes da tempestade. Agora resisto, sem peso, às carícias do devir e bloqueio, inerte, nas angustiadas perplexidades da sombra. Aspiro a noite e sinto que ontem foi um dia diverso de muitos outros dias. Amanhã não serei ninguém: a tua libertação soltou-me do tempo. Levito acorrentado à solidão que me consome.
Sento-me. Observo todo o universo do teu rosto. A tua tranquilidade é uma mentira. A complexa integridade dos teus passos soltou-se de ti. Por isso a morte antecipou-se à morte e, ironicamente, iluminou-te o semblante sobressaltado com que atravessaste os territórios movediços de outrora. O sofrimento esvaiu-se na dor. A dor metamorfoseou-se em serenidade. A minha missão é unir-te ao além. Cingir o passado e o futuro com a diversidade do que éramos quando podíamos caminhar de mãos dadas na irredutível personagem que construímos.
Com a impunidade de um sábio, retirei os tubos que te mantinham palpitante. A doença cedeu perante a morte. A panóplia tecnológica horizontalizou e instalou-se na cidade um murmúrio indizível.
A maré baixara consideravelmente e na lama de breu as bocas de cavalete matraqueavam ritos de amor. Paradas nupciais inconsequentes.
Portimão/Monte Gordo, 13/17/03/09
(este texto é para o meu amigo Mário que soube renascer do caos)
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