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poemas do banco de trás, na rua

por vítor, em 20.05.10

 

Saiu hoje para a rua. Debruce-se para dentro de nós e entre para o banco de trás. Venha respirar o futuro.

 

 

quando inclino o corpo

 

 

Quando inclino o corpo para a lentidão

redonda dos teus seios, vejo atentamente

que ainda não respiro o futuro.Sabes,

o pólen cai na boca dos que abrem

o silêncio. Sobra talvez uma fuligem em

cada pulso, levanta-se um leve vento,

mas os dias animados sequer encolhem

quando enlouqueces com as tuas baças

unhas amarelas...

 

Não é assim a casa desta manhã quando

os pintassilgos folheiam os cardos, e a cama

é devagar ao lado duma fogueira desmaiada.

As cabeças estremecem um pouco no

regresso do sol das dunas, há um navio

que deambula ainda no corpo, na exígua

memória duma guitarra e outras cordas e peixes.

Sim, alguém se debruça para dentro de nós,

quer sacudir a profunda alegria de sermos

uma realidade com sonho aberto...

 

Todavia temos os castelos que inventámos

após o murmúrio dos pinheiros altos, onde

guardámos as amoras, os medronhos

secos. Bebemos agora a água que resta

doutro vinho, proclamamos a prenhe volição,

a visceral palavra, e embora com uma ramela

a descansar em qualquer labirinto disponível

somos um carrossel de emoções descobrindo

aquilo que pressagiámos durante a vária

areia. Inclinamos o corpo e vemos atentamente

que ainda não respiramos o futuro...

 

Rui Dias Simão, Maio de  2010, edições CATIVA.

 

À venda neste modesto estabelecimento pela módica quantia de 7,5 euros (+ envio).

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publicado às 23:07

Embriaguez Total

por vítor, em 19.10.08

 

Sincronizei a respiração com a tua. Primeiro pelo bafo quente que me varria o peito. Depois, sem conseguir sonhar alto, pelo tenaz ardor do sexo. Sendo a respiração una, os corpos gemem ubíquos e ígneos na calmaria da noite. O atrito das peles suadas electrifica e escalda as mentes esgazeadas. Torna-as caudalosas e indeléveis. Simples e vulneráveis.

Os pés rebolam na cama. Sinto o cotovelo a pairar no ar, oblíquo e sereno. Os cabelos, lianas do amor, aspergem os olhos fechados na procura da liberdade insultada por seres sem pulsões derramadas na urbe.

Lá fora a vida percorre os caminhos do costume. A embriaguez total e permanente envolve as avenidas.

Agora sinto os seios, invulgares, na solidão do corpo. Espraio a reacção das ondas preliminares onde, infantilmente, recolho o suco da mãe ausente. Arrepio-me saber-te no meu lugar. Aonde não há esquecimento nem prazer invertebrado e narciso. Se o eterno confluísse no nosso buraco negro, a vida seria, inacreditavelmente, simples e amorfa: osmótica, sábia e pura.

Nos amolgados lençóis, os dedos soltam-se pelas dobras do linho ancestral. A tua voz começa a sussurrar, rouca e prenhe, ecoando nos lares da vizinhança. Num estrebuchar de medo unimos ainda mais as nossas respirações e deixamos a incorrecção periódica dos dias ultrapassar o desgaste rotineiro da vida aprisionada. Aos solavancos trocamos líquidos inquinados e profanamos a inquietude hierofânica das almas. Lavramos a terra rasa de restolho,  entre virilhas tumulares.

Ao fim da noite, fomos expulsar os espíritos selvagens numa mesa de café.

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publicado às 23:25


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