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ceci n'est pas un poème
Da janela escorria uma camisola ensanguentada.
Pingava na terra encharcando o vazio
Que se assomava por detrás das casas.
Três facadas na carne rasgando
Os tecidos nauseabundos, expulsando
O sangue em golfadas efervescentes.
A minha mãe já não mora aqui e o sangue,
Que também é o dela, cai no pântano
Morno cobrindo o chão da cozinha.
A camisola envenenando as ervas daninhas,
Alimentando os vermes que me consomem o corpo.
Agarrem-no!, ecoou como lâmina zurzindo
O ar brutal do bairro sórdido, não há crime
Sem castigo!, berrou o homem sem significado
Que assistia a tudo.
Nunca um crime foi sentido por mim
Nas fronteiras da solidão, respondi eu
Cobrindo a retaguarda.
Ratazanas sem compromissos escapuliram-se
Nas sarjetas iluminadas pelo odor dos enjeitados.
O vizinho do 2º dtº deu a primeira facada.
As outras que me rasgaram a pele e trincharam os ossos
Foram, no calor da refrega, atribuídas a incertos.
Conhecidos mas não identificados nas complexas
Poeiras que ensandeciam a tarde. A camisola
Aspergindo o espetro rastejante da pobreza,
Nunca ninguém fugiu de si próprio deixando
Um rasto de informação apelando
Aos caçadores de infinitos
O odor que os levará ao covil da presa,
Ao definhar do ritual do fogo e do sangue
Que rege o ordálio crepitando nas mentes
Experimentadas no silêncio, na viagem
Interrompida por deus.
A multidão rumina dissolvendo as persianas
Ululantes das personalidades elementares.
O crime percorre as ruas por entre
Conceitos duvidosos e ideias lancinantes
Abandonadas pelos que temem os estrangeiros
Nascidos entre os nossos. A matéria
Que compõe os heróis regurgita no princípio
Da noite, cadinho onde se fundem as ilusões
E o crime assume a vertigem da virtude
Incontestável e una.
O sangue que brotoeja das feridas escancaradas
Sacraliza as ruas por onde prossigo procurando
A caverna dos prodígios labirínticos, a degeneração
Do corpo que reproduz o regresso ao fim.
Duma janela apontando a noite pinga
Uma camisola ensanguentada.
Vrsa 13/11/12
A semana passada passei uma tarde a podar a minha buganvília vermelha. No Verão dá uma sombra refrescante e acolhedora mas no Inverno não deixa entrar o Sol pelas janelas e mantém o quintal húmido todo o tempo. Estava tão grande que parecia querer engolir a casa. É um trabalho terrivelmente perigoso porque a planta tem uns espinhos enormes, duros e pontiagudos. As minhas queridas mãozinhas que o digam. Saem sempre a sangrar desta tarefa. Mesmo sabendo que é uma tarefa necessária, tenho sempre pena de a fazer. Esta é uma buganvília que dá flor todo o ano e, mesmo não estando tão linda como no Verão, o desaparecimento das suas belas flores escarlates, parte-me o coração. Compensa-me saber que quando chegar a Primavera ela irá rebentar remoçada.
Hoje continuei com as podas. Novamente à volta de espinhosas e perigosas: as roseiras. 11 roseiras podadas e mais uma vez as mãos rasgadas. Desta vez não havia flores. Dormiam neste Inverno que vai longo. Daqui a dois meses embriagarão os ares com o seu cheiro e as suas cores. Vermelhas, rosas, amarelas, púrpuras. O trabalho será recompensado.
Um dia destes será o trabalho mais perigoso. Cortar as folhas das palmeiras. Deste tenho amargas recordações. Espetei um ponta de folha no peito do pé e fiquei com dores horríveis e dificuldades em andar durante dois meses. Até tive que usar uma velha bengala para me ajudar a caminhar. Entretanto fui ouvindo as mais diversas histórias sobre infecções, amputações, paralisias e outras homilias que me iam rezando amigos e conhecidos. As coisas recompuseram-se e hoje não há sequelas de tão grande susto. Com bicos de palmeira todo o cuidado é pouco, mas terei que o fazer.
Para falar de coisas mais doces e ternas: a minha horta vai linda. Salsa, rabanetes (sempre rabanetes), courgetes, espinafres, alfaces, morangos e quejandos enchem os olhos de quem os vê.
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