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na noite cálida que lavrou o tempo, o cálice ergueu-se pingando o vinho e tilintou nas esperanças da recusa de eternidade. a velhice saiu à rua e gritou aos ouvintes incrédulos a impossibilidade de regressar a casa. à casa dos teus avós. à genealógica euforia do devir. o mar entranhou-se, sem estranhezas, na confusão dos espíritos perplexos e aspergiu gritos de aflição na vizinhança amortalhada: a reacção foi desproporcionada à acção. gente, que ninguém soube de onde vinha, envolveu-se na contenda do cálice e das palavras. abafaram-se ideias de lucidez feroz. louca. os amigos enervam-se quando nascem profetas fora de prazo. profetas que conhecem os meandros das consciências estagnadas. das consciências marcadas pela violação dos direitos adquiridos no super mercado da sabedoria empacotada.
Anselm Kiefer
Para compreender, destruí-me. Compreender é esquecer de amar. Nada conheço mais ao mesmo tempo falso e significativo que aquele dito de Leonardo da Vinci de que se não pode amar ou odiar uma coisa senão depois de compreendê-la.
A solidão desola-me; a companhia oprime-me. A presença de outra pessoa descaminha-me os pensamentos; sonho a sua presença com uma distracção especial, que toda a minha atenção analítica não consegue definir.
Bernardo Soares - Livro do Desassossego
Os cactos rasgavam o alcatrão na estrada ardente. Fomos partilhando pedras rasgadas por rubis. As cumeadas das serras distantes embalavam os sonhos da multidão e a estrada leva às portas da anunciada sabedoria.
Queres comer uma pedra, disse-lhe levantando o joelho à altura dum sorriso.
Eu levanto-me e curvo-me perante a voz rouca do vulcão.
Queres rebolar na erva seca? Respondeu-me sem convocar a minha ignorância. Não, os passos que partilhamos não compreendem os calhaus que calcamos, que calcamos na longa solidão dos tempos. Falta-me consistência nos passos que tento imprimir no lodo do caminho. O vento transporta-me como folha em Outono agreste.
Começar para nunca mais entender o amor. Mulheres sem lábios aproximam-se cansadas procurando soletrar as palavras que nos ousam anunciar. As letras caem no caminho como dentes metralhados na noite.
Onde se instalaram os vermes da correria paralela?
Na cama rejeitada pelos ossos chocalhantes, na plasticidade do metal, onde partes para nunca mais. Onde entendes a morte nos cais da premonitória incerteza. Nas fracturas intermédias do tempo inacabado.
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