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Farejando Notícia

por vítor, em 11.01.10
Mexeu-se outra vez e as costas estalaram. A polícia já não é incompetente como dantes.

Lembrava-se de tudo como se presenciasse a cena: à direita um actor de cinema com os olhos em bico do leite de coco com aguardente de cana. O crepitar da fogueira enchia a sala de recordações tristes. Embevecida no fogo estava ela. Porque fora ele meter-se naquele covil de lobos sem unhas?

Bebeu mais um copo. A cabeça recusava-se a pensar nas responsabilidades do dia a dia. Bebeu outro, de um trago só. Maldita cocaína, ouviu a consciência com voz grave de pai dos anos trinta.

-         Por favor, eu tenho um sapato calçado nos pés dela, rugiu à multidão apinhada no bar-semi-escuro.
-         Não ouvem, pensou sorridente.

Lendo uma revista pornográfica, desta vez à esquerda, estava um cavalheiro distinto mas sem gravata. Ela sorria avermelhadamente com a calma de quem jogava. Roleta russa.

Sentia desejos de ir com aquela mulher para a cama. Sim. Ela até era bonita e olhava para ele com uma expressão de talvez...
Mas que confusão lhe atravessava o espírito/ficção banal. Ela era uma visão sem compromissos e até sorria.

Agora era o malvado joelho que teimava em não funcionar. Nem a perna conseguia cruzar. Que pontapé, essa gente devia era ser jogadora de futebol.

Na poltrona do meio dormitava um velho jornalista corroído por notícias de todo o mundo. Tinha sido, até, correspondente na Polinésia.

Que homem viajado, pensou.

Ela chegara-se mais ao fogo como se precisasse de mais calor. Era a sua, dele, hora. Pé ante pé, chegou-se à lareira e, com a tenaz, retirou uma brasa do braseiro. Acendeu o cigarro à americana. Soprou o fumo, primeiro pelas narinas e depois através dos dentes.

-         Magnífica casa, meteu-se, nesta ocasiões transbordo de amor.

Sentiu-se alarmado com as palavras que deixara escapar. O jornalista farejou notícia. O cavalheiro distinto sem gravata ousou mesmo esboçar uma retirada discreta, sem o conseguir. Pela porta dos fundos apareceu quem se esperava: o polícia secreto do governo sombra.

Sem conseguir reagir ao desencadear dos acontecimentos, e com dores acentuadas nas costelas, deixou-se prender por ele e... por ela.

 O actor de cinema, com os olhos em bico, saiu de cena pela porta baixa sorrindo ligeiramente.

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publicado às 23:21

Uma Presa Sem Qualidade

por vítor, em 29.09.08

 

 Atravessámos a rua. Eu bocejava de quando em quando. O polícia, embriagado pelo odor a marginal, seguia calado, erecto e besta. Atirei o fumo para a rua por entre os lábios gretados por ácidos das entranhas. Sentia espasmos harmoniosos, enquanto furávamos pelo olhar curioso dos transeuntes ávidos de violência. Nas varandas cinzentas espreitavam nuvens de olhar compreensivo.

  Irmanados pela complementaridade das vidas, cingidos pelos pulsos, avançámos sem pressas ao encontro do antro húmido e podre de uma esquadra qualquer numa cidade qualquer.

  Um cidadão atravessou a chuva quente, exibindo uma compaixão infinita que me revoltou os intestinos. Talvez fosse um poeta.

  Nas ruas, estreitas e sinuosas, espreitavam janelas e portas descoloridas. Um transístor atirou para a atmosfera balidos de político ferido, enquanto se ouviam aplausos tímidos num terceiro andar mal identificado.

  O metal rompia-me a pele insensível, a memória fazia-me cócegas, porém a imortalidade seguia-nos pelos telhados.

  Chegados ao lugar onde até os anjos sentem respeito pelas fardas, senti-o triste. Triste pela qualidade da presa.

  Fora, ponha-o fora, ouvi o sub-chefe uivar, fora por amor de Deus... mas já que cá está, diga-lhe qualquer coisa ao ouvido. 

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publicado às 21:42

Um Juiz Parcimonioso

por vítor, em 25.05.08

 

 
 A minha estrutura óssea tornou-se mole e regressei a casa de táxi. Mas os meus problemas não ficaram por aí: na minha ausência a lâmina de barbear havia sonhado alto e os vizinhos chamaram a polícia.

 Fui por isso preso durante o tempo em que o juiz fumou três maços de cigarros.

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publicado às 01:18


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