Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
Lá para os meados da estação fria, a minha parenta Tiodomira, sofredora de iliteracia crónica (felizmente benigna), quando viu esta fotografia, benzeu-se uma data de vezes com frenesim e exclamou:
- Ai mê queride prime, cruzes canhoto (reparem na competência premonitória da senhora), o prime transfermô-se naquele poeta escondide. Como lá é que ele se chama?
Sorri maliciosamente.
Anselm Kiefer
"Algarve - 12 Poetas a Sul do Século XXI", por António Carlos Cortez
(…)
Pertencentes à geração que nasceu nos finais dos anos cinquenta ou nos inícios da década seguinte, temos José Carlos Barros, Fernando Esteves Pinto, Rui Dias Simão e Vítor Gil Cardeira.
(…)
(…) divergem de tudo quanto seja vigilância discursiva ou teorização literária dentro do poema. Com efeito, em muito se aproximam, os poetas que têm entre quarenta a cinquenta anos, do gosto inglês (?), espanhol (?). Prefere‑se um dizer que vai mero apontamento, do sardónico e corrosivo, ao melancólico e sarcástico entregue ao tom «maldito» (especialmente em Cardeira).
(…)
Na violenta época económica em que vivemos, poetas como Cardeira e Simão, vindos da geração de oitenta, lembram‑nos, pelo inusitado de certas construções verbais e pela sarcástica adesão a um real abjecto — que se impõe em textos de forte anti‑poesia, como que desautorizando o próprio gesto da escrita — a herança «sixties» que, neles, directamente se filia com certa poesia «beatnik». Mas algo de profundamente idealizado existe nos textos destes dois autores: por detrás do salivar relativista de tudo, esconde‑ se, por vezes aquele «fetiche do fim que dissolve a neblina» de que fala Cardeira... O mesmo é dizer que, entre gerações, as várias que aqui se reúnem, a poesia, ora como acto de imaginação, ou como engenharia verbal, ou profunda meditação sobre si própria, ora como revelação íntima ou confissão em diferido, acaba por chegar sempre aos leitores que a queiram ou saibam ler. Várias vozes são aqui alvo de reunião. As entradas sobre os autores especificam o quanto este prefácio não soube dizer. Informam‑nos sobre as linhas de leitura a ter em conta quanto a estes doze poetas.
Haverá, obviamente, quem venha a julgar programática (por algum motivo obtuso...) esta edição. Não há nada de programático. Apenas o Algarve (podia ser o Porto, o Douro, ou o Alentejo, como se disse) vem mostrar como a poesia encontra sempre ruas onde não há sinais de sentido único.
António Carlos Cortez,
22 de Outubro de 2011
O meu amigo, e poeta enorme, Rui Dias Simão foi professor dois anos lectivos. Um em Rabo de Peixe, enquanto passeou, diletante, os ossos pela Universidade dos Açores e pelos bares de Ponta Delgada, outro em Vila Real de Santo António. Este último ano lectivo foi bruscamente interrompido quando numa tarde, a seguir às aulas, foi beber umas cervejas e jogar snooker com os seus alunos. Enquanto ajeitava o taco para bater a bola branca, um aluno carambolou a frase que interrompeu uma rica, se bem que curta, carreira de docente. "Qualquer dia até o meu cão dá aulas", atirou, batendo com estilo a referida bola. Nunca mais entrou numa Escola... o poeta, bem entendido.
Vem isto a propósito de um certo livro de poesia que certo "poeta" lançou num determinado mês de dezembro, que por acaso é o que corre na graça de deus. Qualquer dia, até o meu cão, o possante Matrix, edita um livro de poesia.
Portugal é um país de poetas. É uma certeza que os portugueses, sobretudo os poetas, gostam de alardear aos múltiplos ventos. É um país de poetas como o são o Canadá, a Venezuela, a Indonésia, o Burkina Faso, a Nova Zelândia ou o longínquo Botão. Tirando o maior dos maiores, o Fernando, o excepcional Luís e o perturbante Aleixo, o resto não sobressai da floresta de poetas que polui e, na maior parte dos casos, corrompe o plasma que nos esmaga.
"Também tu brutus", digo eu a mim próprio associando-me à poluição vigente. São excrementos (da alma?) senhor, não leveis a sério. Necessidades que não pretendem ser mais do que um escape libertador da alma. Reação exigida pela ação. Sendo a primeira pior que a segunda que já não é famosa. O que me consola, que nos consola, é que o produto expelido não incomoda nem se acomoda nos transeuntes. Não contamina nem dói a quem se exponha. Inocuidade sem mal. O que mais me preocupa são os amigos que, inconscientemente, me afagam o ego acreditando nas palavras incontinentes que se escapam da centrípeta vontade do emissor. Quem me dera nunca ter escrito uma palavra. Só posso prometer contenção, a osmose involuntária só parará com a morte. É uma doença cruel e crónica. O que me consola é a floresta que tudo abafa.
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.