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Ser editor de um poeta é complicado. Ser editor e amigo de um poeta bêbado, decadente e irresponsável é o inferno. Um inferno fascinante, mas um inferno. O meu amigo Rui Dias Simão é um dos maiores poetas portugueses vivos. No entanto parece constantemente querer desmentir-me: deixar de estar vivo.
Hoje tínhamos combinado ir ao lançamento do livro do Fernando Esteves Pinto, amigo comum, à Biblioteca Municipal de Olhão. Aproveitaríamos para distribuir a alguns amigos o último livro do Rui e das edições CATIVA, Poemas do Banco de Trás. Cheguei a sua casa, kantianamente, à hora combinada. Depois de muito insistir com a campainha, resolvi telefonar-lhe. Atendeu, com uma voz arrastada de bebedeira de três dias, da praia." É pá desculpa lá mas estou aqui na praia com um grupo de trissexuais".
Saiu hoje para a rua. Debruce-se para dentro de nós e entre para o banco de trás. Venha respirar o futuro.
quando inclino o corpo
Quando inclino o corpo para a lentidão
redonda dos teus seios, vejo atentamente
que ainda não respiro o futuro.Sabes,
o pólen cai na boca dos que abrem
o silêncio. Sobra talvez uma fuligem em
cada pulso, levanta-se um leve vento,
mas os dias animados sequer encolhem
quando enlouqueces com as tuas baças
unhas amarelas...
Não é assim a casa desta manhã quando
os pintassilgos folheiam os cardos, e a cama
é devagar ao lado duma fogueira desmaiada.
As cabeças estremecem um pouco no
regresso do sol das dunas, há um navio
que deambula ainda no corpo, na exígua
memória duma guitarra e outras cordas e peixes.
Sim, alguém se debruça para dentro de nós,
quer sacudir a profunda alegria de sermos
uma realidade com sonho aberto...
Todavia temos os castelos que inventámos
após o murmúrio dos pinheiros altos, onde
guardámos as amoras, os medronhos
secos. Bebemos agora a água que resta
doutro vinho, proclamamos a prenhe volição,
a visceral palavra, e embora com uma ramela
a descansar em qualquer labirinto disponível
somos um carrossel de emoções descobrindo
aquilo que pressagiámos durante a vária
areia. Inclinamos o corpo e vemos atentamente
que ainda não respiramos o futuro...
Rui Dias Simão, Maio de 2010, edições CATIVA.
À venda neste modesto estabelecimento pela módica quantia de 7,5 euros (+ envio).
O novo livro do poeta Rui Dias Simão já borbulha, ígneo, nas rotativas do tempo próximo. Poemas do Banco de Trás, assim se nomeará o dito (so?), sairá (saltará) para a luz dos dias nos alvores de maio. A editora, a de sempre. A que existe para o editar (e celebrar): Edições Cativa.
Depois de ter encontrado o Rui em Tavira (vide último post) encontrámo-nos em sua casa à tarde para afinações na capa e no miolo do seu livro último," Poemas do Banco de Trás. Também lá compareceu, como é óbvio, o paginador e gráfico de serviço, o Nuno Viana. Nas Edições Cativa é assim que se trabalha: autor, editor e gráfico, em conjunto, edificando a obra que se anuncia. A tarefa, ou melhor as tarefas, são extremamente complexas e morosas e saímos dali já ao fim da tarde. O trabalho, é claro, foi acompanhado com bastante cerveja e muitos cigarritos.Fomos em seguida para Cabanas retirar o motor e o panado do imperador da Ria, essa nave lendária que dá pelo nome de Hipantropias. O Inverno especialmente rude deixou estragos no casco da embarcação e é preciso virá-lo, subi-lo para a areia seca e proceder aos reparos e pinturas necessárias. Originalmente construído em madeira, este Doris saído da mítica oficina do mestre Cagones, o último construtor de barcos de madeira em Tavira, apresenta já hoje o fundo coberto por fibra de vidro. Esta, sendo mais fácil de trabalhar do que a madeira, é, também, mais frágil aos encontros indesejáveis com os fundos rochosos que rasgam a casca sintética sobre (neste caso sob) a madeira original. Dificuldades em encontrar calafates e outro mestres de construção e reparo naval na tradicional madeira, levaram o Rui a reparar o fundo do Hipantropias com o material mais comum nas embarcações de hoje e com mais técnicos disponíveis. Para além do fundo, o barco apresenta ainda as velhas madeiras originais do mestre Cagones.
Montados o motor , o panado, os remos e outras partes soltas da nave na minha pick up, deslocámo-nos ao Adriano para beber uma cerveja. Lá chegados encontrámos o amigo Greg e o Baptista e juntámo-nos a beber e a petiscar. Esquecida estava a ideia inicial: beber uma cerveja. O Greg, um lobo do mar inglês que atravessou o Atlântico no seu catamaram, fugido da Venezuela vá-se lá saber porquê, e aportou em Cabanas há já uns anos, falava em Inglês e castelhano, o Baptista, condutor de barcos que levam turistas para a ilha, comunicava em português e castelhano, o Rui, à medida que o tempo passava e as cervejas iam enchendo a mesa, utilizando as línguas referidas e atalhando o francês, eu, que em línguas faladas sou um nabo, lá ia comunicando em português e castelhano, que domino razoavelmente, e à medida que a noite avançava, aventurando nas línguas de sir Alex Fergunsen e Cantona. Chegou então um pescador que venceu um cancro para continuar a ser o melhor pescador da costa do Sotavento. Já não sei em que língua comunicava. A noite avançava e no meu telemóvel caiam mensagens e chamadas. Temia o pior quando chegasse a casa.Quando finalmente a companhia foi desfeita, não sei bem em que circunstâncias nem a que horas, e me dirigi para casa cautelosamente, fui recebido, para meu espanto, com sorrisos por todo o lado e com a sempre agradável expressão, que qualquer homem, ainda por cima já entradote, sempre adora, "vens lindo"!
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