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pintura de Rui Dias Simão
Da janela escorria uma camisola ensanguentada.
Pingava na terra encharcando o vazio
Que se assomava por detrás das casas.
Três facadas na carne rasgando
Os tecidos nauseabundos, expulsando
O sangue em golfadas efervescentes.
A minha mãe já não mora aqui e o sangue,
Que também é o dela, cai no pântano
Morno cobrindo o chão da cozinha.
A camisola envenenando as ervas daninhas,
Alimentando os vermes que me consomem o corpo.
Agarrem-no!, ecoou como lâmina zurzindo
O ar brutal do bairro sórdido, não há crime
Sem castigo!, berrou o homem sem significado
Que assistia a tudo.
Nunca um crime foi sentido por mim
Nas fronteiras da solidão, respondi eu
Cobrindo a retaguarda.
Ratazanas sem compromissos escapuliram-se
Nas sarjetas iluminadas pelo odor dos enjeitados.
O vizinho do 2º dtº deu a primeira facada.
As outras que me rasgaram a pele e trincharam os ossos
Foram, no calor da refrega, atribuídas a incertos.
Conhecidos mas não identificados nas complexas
Poeiras que ensandeciam a tarde. A camisola
Aspergindo o espetro rastejante da pobreza.
Nunca ninguém fugiu de si próprio deixando
Um rasto de informação ofecendo
Aos caçadores de infinitos
O odor que os levará ao covil da presa,
Ao definhar do ritual do fogo e do sangue
Que rege o ordálio crepitando nas mentes
Experimentadas no silêncio, na viagem
Interrompida por deus.
A multidão rumina dissolvendo as persianas
Ululantes das personalidades elementares.
O crime percorre as ruas por entre
Conceitos duvidosos e ideias lancinantes
Abandonadas pelos que temem os estrangeiros
Nascidos entre os nossos. A matéria
Que compõe os heróis regurgita no princípio
Da noite, cadinho onde se fundem as ilusões,
E o crime assume a vertigem da virtude
Incontestável e una.
O sangue que brotoeja das feridas escancaradas
Sacraliza as ruas por onde prossigo procurando
A caverna dos prodígios labirínticos, a degeneração
Do corpo que reproduz o regresso ao fim.
Duma janela apontando a noite pinga
Uma camisola ensanguentada.
Vrsa 13/11/12
O novo livro do poeta Rui Dias Simão já borbulha, ígneo, nas rotativas do tempo próximo. Poemas do Banco de Trás, assim se nomeará o dito (so?), sairá (saltará) para a luz dos dias nos alvores de 2010. A editora, a de sempre. A que existe para o editar (e celebrar:) Edições Cativa.
Só para vos deixar hiantes de perplexidade, aqui vai um cheirinho daquele que irá ser, seguramente, o grande acontecimento literário nacional do ano que vem.
COMPREI UNS SAPATOS NOVOS
assiduamente à derriça que me envolve
o corpo, este corpo de lama, que sempre
fecha as portas ao silêncio vivo.
Não sei como nem porquê, entrei numa
casa e trouxe uns novos sapatos novos.
Este grito lunissolar que me apaga
os olhos, resmunga nos espaços entreabertos
e moribunda o caminho que adivinharia
a simplicidade interior.
Não sei ainda dizer adeus às flores mortas,
aos rios apagados, às veredas cansadas,
aos labirínticos dizeres das pessoas
Mas existe, existe algum lume
para dizer mais do que esta página
riscada pelo avançar da noite, quase
rosnando para a quimera da falta
dos espaços planetários
Não sei como nem porquê mas
regresso de muito em vez à sombra
dos lugares que me apagam a pele.
Onde estás tu, ó amplexo fantástico
das vozes luminosas - tal qual -
pois não sei como nem porquê mas
já se percebe o estiolamento prematuro
deste animal num fogo diurno
dos seus aparentes dias azuis.
Comprei uns sapatos novos.
A 4 águas editora apresentou e apresentou-se na livraria Bulhosa com o livro de Casimiro de Brito, "69 poemas de amor"
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