Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
Em minha casa comíamos muito peixe frito. Carapaus e charros, sardinhas, cavalas, mecharrinhas, peixe-aranha, bicas e até bogas. Quando o rei fazia anos, talvez um linguado, ou um parracho, primo afastado deste último. Só às bicas fazia cara feia. O raio do peixe avermelhado parecia-me sempre bastante seco. Também comíamos peixe assado no carvão vegetal que o meu avô produzia fazendo arder lenha debaixo de montes de terra. Com umas chaminés para que a combustão não se extinguisse. Ao fim de uma semana, quando deixava de sair fumo pelas chaminés dos montes, cavava-se os ditos e, no meio da terra calcinada, lá se destacavam as pepitas negras do precioso carvão. O peixe assado era no bom tempo. Quando os dias e as temperaturas, em conformidade, cresciam. Era outro ritual. Era sempre eu que acendia o fogareiro. Daqueles redondos em ferro forjado, de colocar no chão ou em qualquer suporte amigo das costas. Eu acendia-o sempre no chão. Uma página do Diário Popular, de que o meu pai era correspondente, e que, por isso, recebia à borla todos os dias, com um dia de atraso, que a capital do império ficava longe, amarrotado, umas palhinha e uns gravetos apanhados atempadamente, uma mancheia de carvão fino e... fogo. Acendia quase sempre à primeira, para orgulho do acendedor e espanto da minha mãe. Depois de bem arejado com o respetivo abanico de palhinha, e as brasas rubras, entregava o resto do trabalho à minha mãe que assava o peixe e o levava à mesa montada no quintal. Quase sempre ao almoço, quase sempre ao fim de semana. Os quatro, a nossa família, ao ar livre vivendo a tarde. Bem, mas era do peixe frito que me tinha lembrado e de que falava: os peixes eram fritos em óleo abundante, cobrindo-os, e a elevadas temperaturas. Como não éramos ricos, poupávamos o mais que podíamos no óleo. Faziam-se várias fritadas com o mesmo óleo. Só quando o fundo da frigideira começava a ficar castanho escuro com o depósito da saturação da combustão é que se utilizava novo óleo. Gostávamos todos muito de peixe frito e despejávamos no prato, regando o peixe nele jazente, o maravilhoso e saborosíssimo líquido acastanhado que o tinha frito. Molhávamos ainda generosamente o pão, que a avó tinha cozido no forno de lenha, no molho onde o peixe esperava. Não fora isso e o óleo durava muito mais tempo. Muitas vezes, levava para a escola a marmita de esmalte azul cheia de peixe frito para comer ao almoço. Quase sempre cavalas. Ao almoço, os moços do campo e das aldeias juntavam-se a comer peixe frito frio sentados no muro que rodeava a escola. Não gostava muito de peixe frito frio. Às vezes, alguns meninos levavam toucinho e torresmos para almoçar. Claro que toda a gente gostava de toucinho cortadinho às fatias sobre o pão das avós e, sobretudo, de torresmos. Ainda hoje não resisto a um bom par de torresmos. De peixe frito frio é que continuo a não ser grande apreciador.
PS - por falar em peixe frito. Gostava de vos anunciar que o meu amigo Luís Gorgulho inaugurou, por um dia destes, a Rua do Peixe Frito, em Santa Luzia. Vi uma fotografia, já não me lembro bem onde, da nova placa da rua e do Luís a descerrá-la, e estavam lindos.
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.