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ela sorriu transportando a paisagem
que reforça o intervalo entre o fim e o
princípio num lago de nudez abreviada
sorriu e chamou a pertença consagrada
nos limites, parceria indisponível transcrita
no lugar, dúvida importada, preconceito inicial.
O escuro manso dissolveu a responsabilidade
em escaramuças militantes, entendimentos da viagem
desvalorizada, última dissolvência impaciente
perdendo o consenso na distância coreográfica.
o sorriso da mulher que percorre o olhar
ingrato da única vitória dos abstencionistas
curiosos, maioria significando a aposta
nas flores, diz-nos da crueza do obstáculo,
da dor na noite recuperada da berma do caminho,
legitimidade do pesadelo indocumentado,
metade da dor marginal, sorriso do poder
que se eleva nas faenas do sexo consumidor
dos corpos raivosos e sectários,
discurso ressentido e parcial.
A atenção do outro não reflete o estado
de embriaguez vazia que conduz
a relativização da evidência, transformação do novo
interpretando a inocente figura que emana
do sorriso absoluto.
gere a desorientação responsável pelo ruído
da alma vestida de palhaço incompleto,
reduz o exemplo da hierofânica verdade dissoluta
no lodo evidente, sonsura dominante nas cicatrizes
do calor, da insânia sedimentada nos ritos
do calendário social que alguém parodiou
no equilíbrio sem paixão dos convertidos, explicação
corrosiva no pó que se eleva nos atalhos
petrificados da memória.
ela sabe como podar as ideias
que se desprendem do oculto sabor a derrota,
mutilar o chão onde navegamos à vista
e contendemos com os ossos que se erguem do tempo.
ela é um implante na paralisia do medo,
na arte de inventar placebos, paixão
na imensidão do caos.
sorri e não colhe. As manadas assentam
os cascos na viscosa película dos afectos.
MG 25/1/11
Sempre que a noiva comia romãs tremia. Era como se um tufão se aproximasse da costa. A romã actuava nela como um poderoso afrodisíaco. Quando o tempo das chuvas se aproximava, devagar como convém nos secos clima mediterrânicos, a preocupação invadia-me secretamente. Não tinha sido diferente naquele ano.
Do verde amarelado, foram abraçando o vermelho erótico e clamando pelo passante. O dito era eu, na maior parte das vezes. Mas, na calmagem dos caminhos calcários pousavam, por vezes, pés descalços e dançantes: era ela, a minha noiva.
Conhecia-a há três anos. Doce como o fim das tardes de verão sem vento, bela como só eu sabia, arrancou-me o coração no primeiro momento. O futuro toldou-se-me num tempo irrecuperável e incerto, como a filosofia que atrai multidões sequiosas de sangue. E diria ainda mais; a solidão recuperou o seu significado supremo: a dor sem possibilidade de sentir o prazer do coração aflito. Eu para quem a independência era a vida. Nesse dia, há muito esquecido, entrou em mim uma luz que me sequestrou do mundo e me enlaçou na morna sepultura do, dizem, amor.
Era doce como a tarde que se faz esperar. Como o caruncho da noite que não vem. Chegou e ocupou o lugar que era meu. Ocupou ainda mais de mim do que eu alguma vez teria ocupado.
Há três anos, era eu um rodopio fogoso e despreocupado, alegre e bondoso. Mas como mudei em três anos! Vivia para ela e vivia dela. Os dias passavam e a embriaguês sussurrante das fímbrias dos seus vestidos entaramelavam-se nos meus sentidos. Relia no meu corpo a sensação cruenta e terna dos afagos de minha mãe. Os pensamentos não engrenavam no segmento seguinte e encavalitavam-se em cacos de ideias incompreensíveis e dolorosas.
Ela, a minha noiva, possuia-me e o enamoramento violentava cada vez mais a minha identidade, a minha alma secreta. Penso até, e só hoje o comecei a vislumbrar, que a minha alma saltou para o corpo dela. Vive nela e parece feliz. É... é apenas um pressentimento. Mas o vazio que o meu corpo encerra leva-me a acreditar cada vez mais nisso.. Um vazio leve onde me espanto com o desconhecido de mim para mim mesmo. Onde me perco sem referências, onde é necessário construir para recentrar o mundo. Sim, porque o centro do mundo passou de mim para ela, a minha noiva. E quando ela se afasta sinto-me periférico e só. O vácuo que transporto não permite a edificação de um novo eu. Os blocos constituintes de uma nova alma, sempre tão difícil de arrumar, não se enleiam neste ambiente sem ódio, sem lágrimas e sem idade. É uma tarefa impossível, e sofro, e aproximo-me cada vez mais dela, do meu centro do mundo, da minha alma, da minha noiva.
Neste lento aproximar do tempo das romãs, uma ideia solta e intermitente azougava-me os ouvidos. Vinda do além (da minha alma emigrada?) a morte segredava, como só ela é capaz. A morte resolve todos os problemas a quem a ela se entrega. Porém o problema parecia intransponível ( incontornável, diriam alguns). A minha noiva transpirava vitalidade nos líquidos e sólidos que a constituiam. Da carne espamódica e dos suores voluptuosos. Das almas que transportava.
A morte precisa de executor. Eu próprio como me poderia apagar sem despedaçar os restos sobrantes da minha carcaça? E o que aconteceria à minha alma fugidia e feliz no corpo dela?
A chuva de outono aproximava-se vinda dos castelos púmbleos que viajavam num céu sem estrelas, ribombando apelos completamente imparáveis. As romãs cumpriam o seu destino. O rubi pintava-as inexoravelmente dando-lhes o poder da paixão, ígnea e caprichosa.
Os pensamentos da morte trilhavam o seu caminho de pó e lama, de som e de silêncio, na consciência esburacada do homem sem alma.
As chuvas começaram a cair, grossas e quentes, levantando partículas do estio longo e seco. Água e terra misturavam-se no ar. Primeiro, preenchendo as rachas da terra ressequida e exangue. Depois, atingindo as raízes esquálidas das árvores sedentas e das sementes das ervas daninhas. Das flores que se erguerão na primavera longínqua. As romãs colheram o sinal. E o sinal alastrou pela terra desolada onde o restolho amolecia. As galinhas deixaram de parir e a minha noiva cantarolava a toda a hora. Quando a primeira romã estalou prenhe, deixando escapar um sorriso da cor da carne, não se conteve e precipitou-se, inconsciente, sobre o fruto divino. Vagarosamente, foram desaparecendo nos lábios latejantes os bagos do fruto do amor (romã/amor).
Perante a cena embriagante da possessão das almas que a carne da minha noiva continha, decidi o futuro próximo da vida que nos animava. O resgate da minha alma.
O sorriso diabólico que me aspirou o corpo gemia de prazer e de dor. Os sussurros que sentia soltarem-se dos meus espasmos fundiam as almas que eram nossas.
Revolvendo a terra húmida, sob o olhar concupiscente da romanzeira cúmplice, rolámos inimputáveis como deuses que se degladiam na espuma. As minhas mãos percorriam a pele escorregadia, o pescoço longo e frágil. A minha noiva estremecia e da boca escancarada, escorreu um fio escarlate e doce. Um rio por onde a minha alma transmigrou, regressando a casa.
E tudo serenou na felicidade efémera da tarde.
Estou a jogar à sueca na praia
eu e mais dois freaks
às vezes vou mijar por causa da cerveja
sinto-me mal
podia sentir-me pior
há sempre um barco com pescadores a esperar pela solidão
enquanto nós sorrimos
ás vezes penso que já fui campeão de dados do Algarve
(em, creio, 1937)
Dói-me não estar contigo mas o que me dói mais é não estar
comigo quando não estou contigo
um alemão atirou-me uma batata (agora sei que cozida) à cabeça
quantas tendas na minha cabeça
dói-me o (ainda) não te poder beijar
compreendes o que é não te poder acariciar? ( com certeza não...)
Enrolo sem saber. Um cão acariciou-me os pés.
Adoro-te
é terrível, é difícil o coração sentir-se em liberdade
por isso sinto vontade de chorar de mansinho. Sim de mansinho
porque não gosto de esperar conselhos (talvez carícias) dos outros.
Espera, a luz do Sol está a corromper o mar
vês os meus olhos a correr por entre as dunas
não?
Para mim é sempre triste sonhar os pesadelos dos outros
mas para quê espremer cebolas nos olhos
não basta o voar das gaivotas cabisbaixas?
Quero estar contigo sempre e os desejos são sempre
pássaros de cabeça enterrada no mar. levanto-me
ao som de três espingardas sem balas.
O planeta (que é o meu) parece morrer
as galinhas parecem rejeitar crocodilos já rejeitados.
Para a semana vou (envol) ver-te, até lá pensa
em tudo o que é a nossa capacidade de gostar um do outro
um beijinho (talvez sem sentido) do eu.
PS: escrito há mais de 25 anos por um jovem perdidamente apaixonado.
A passagem conforta os que não têm nada
os que procuram
os que nunca encontram.
A passagem é um caminho que reflecte as sombras do passado
enquanto dormem os inúteis sobressaltos.
Há gente que precisava de mais vidas para amar
os sinuosos tremores da paixão
as escolhas impossíveis e imateriais
os labirintos claros da impotência que sopra da juventude
difusa, larvar e narcótica.
A passagem une o que respira ilusão.
Os sonhos são a realidade por cumprir
quando da solidão nasce a palavra que embriaga
que sorve o conforto incontornável das distâncias.
Há gente que precisa de mais vidas para sofrer.
Uma vez encontrei um homem que sabia falar do passado. Disse: eu só sei que não estou aqui, eu ando a viajar no tempo que já existiu antes de parecer que o é.
Foram os dois, eu e ele, deslizando por entre as colinas rochosas da consciência. Aonde iremos? Pensei eu, rodeando cuidadosamente o cansaço envolvente. Chegaram a um local onde só se via o mar. Ali, disse ele sorrindo sem abrir os lábios, encontrei um dia uma mulher santa. E depois, como se a vida fosse um pião que nunca rodou. Era um dia soalheiro e o mar levantou-se tarde.
A mulher agarrou-me a mão e disse-me que fôssemos ver as pradarias da neve onde habitam seres sem forma alguma. Fomos, eu e ele, caminhando até perder de vista. Fomos, ele e ela, até perder de vista, onde esperámos alguns amigos.
Aquele homem contava-me milhares de histórias por onde nunca ninguém tinha passado e onde a criação era tão estética que não existia. Onde as pessoas eram tanto mais úteis quanto mais inúteis.
Os amigos chegaram, então, entoando canções tristes e fumando caroços de espingardas. Chegaram e dançámos um pouco. A mulher, que mais tarde o homem soube que era santa, não moveu os cotovelos enquanto a música soou.
Sentámo-nos, eu e ele, falando por entre as persianas do meu quarto.
A mulher retirou os lábios. Aspirou-os pelo nariz. Todos experimentámos o mesmo, sentindo os pés a desligarem-se do solo. Sensação tal, só se conhece quando se lêem poemas na cama das mulheres que se amam. O homem não pôde conter-se e saiu de perto de mim. Vi que chorava como se fosse a primeira vez que o fazia. Soube mais tarde que não chorava, sentia o tempo.
Quando puderam parar as emoções imprimidas pela vivência , um a um amaram a mulher. Depois todos. Depois nenhum.
Mas o amor não é infinito, perguntei eu, talvez ingenuamente. Não, respondeu ele - ou talvez ela, o amor é o fim da imaginação é o princípio da estagnação dos sentimentos. Quem ama não sente, e aliás, nunca se sabe até onde os rios podem ala(r )gar as terras da paixão. Essa sim, infinita, portadora de dor e angústia. A paixão, meu irmão, assim como a saudade, são forças sem fim e sem começo. Na sua linha de contacto existe tudo o que há de bom. Nessa linha bamboleiam os loucos. Para além dela, encontramos a morte da arte e o presente.
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