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atravessando a calmaria

por vítor, em 25.01.11

 

 

 

às vezes aparecem na cidade

figuras recortadas na paisagem brusca

retirando da luz a sombra que cresce

na calçada pardacenta

 

um homem senta-se numa cadeira

azul e o vento fustiga-lhe o rosto

(quantas vezes já o dissera) imaterial

são três horas na tarde e o crepúsculo

assoma-se por detrás da noite

 

uma mulher, que o sopro da ventania

não incomoda, observa o que as horas

aspergem no desassossego dos sentimentos

criptados, na voragem das palavras cruéis

atravessando a calmaria que a envolve

aproxima-se da cadeira azul enquanto

o relógio da torre açoita o ar diverso

debruça-se, suavemente, sobre a cadeira

e beija o cabelo revolto do homem sentado

 

o relógio repete a linguagem do tempo

três vezes na cidade engolida pela sombra

as árvores despem-se para enfrentar o frio

 

 

o beijo atira o homem até aos confins de si mesmo,

até onde a solidão desaparece e o mar morno

contorna o emergir das palavras

 

a mulher reergue-se do beijo

e desloca-se imparável para o fim da rua

onde a espera a eternidade

 

a noite cobriu de trevas a cidade

e o homem renasce na esplanada

de cadeiras azuis, bebendo cerveja

com figuras que convergem no

esquecimento da dor

 

o caminho divergente acontece

quando as rédeas do afecto

não resistem ao que materializa a solidão

 

contra a tempestade ergues a dor.

 

MG 20/12/2010

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publicado às 19:35

uma mulher disponível

por vítor, em 07.07.10

 

Não tinha pensado nisso. A avenida estendia-se, rude e crua, até ao fim do mundo. Alguns candeeiros iluminavam o nevoeiro morno do Levante. As minhas pernas pareciam moles e frouxas, caminhava cambaleando no alcatrão esponjoso. Nunca tinha pensado nisso: bebia para ocultar a timidez.

Àquela hora da madrugada irresponsável, o calor mantinha-se à superfície das coisas. O ar irrespirável alimentava as insónias dos entes há muito retirados nos leitos burgueses. Nos lençóis encharcados de lama pestilenta. O maléfico soprar das aragens desérticas destrambelhava as mentes sóbrias.

Avanço ao encontro da imensidão da noite. A experiência diz-me que no fundo da avenida, junto ao porto, um bar ilumina as trevas. É o último reduto da loucura ambulante antes do Sol misturar tudo na intensa luz do Levante.

Aquele homem que percorre lentamente a borda da Ria é um poeta. Como todos os poetas procura a embriaguez do abismo profundo e inatingível. Generoso e sem retorno. É uma caminhada dolorosa e sem destino que engole o próprio caminhante. Uma autofagia que vai destruindo o sujeito e o objecto. Uma boca hiante a partir da qual o corpo se vira do avesso, desaparecendo nas vísceras  tetónicas  do inferno emergente. Uma longa batalha entre quem come e é comido, sendo que um e outro são a mesma entidade. Entre o destino e a razão.

Enquanto mija atrás de um contentor de lixo, uma figura mágica espreita por entre os restos nauseabundos. Os excrementos sociais que preencheram as ânsias medíocres da humanidade.

Por deus, é uma mulher!

De olhos muito abertos e uma boca escancarada e vermelha, concupiscente, fita o poeta. Toda ela é desejo e vontade de emergir da putrefação contida.

O poeta sacode a pila e não resiste aos encantos da visão miraculosa. Retira-a cuidadosamente do caixote pestilento e verifica, surpreso, que a mulher é jovem, durinha, leve e bonita. E está nua.

Mãe, telefona-me mãe!, grita na noite incompleta. Tu e eu somos os maiores que as estrelas envolvem. Tu, a melhor mãe que os tempos conheceram e experimentam. Eu, o maior poeta vivo que risca a face do planeta. Telefona-me mãe!, ecoa nas profundas cicatrizes da existência, num rugido lancinante e triste.

Caminha, agora, com a jovem ao colo. Leve como ar de Verão. Leve como algumas palavras que nunca são ditas. A timidez irrompe das entranhas instáveis e, no lento processo de  auto-fagia, nunca se sabe se vem de dentro ou de fora. É preciso aplacar-lhe os propósitos misantropos que atropelam a alma.

 

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publicado às 17:01

No Bar do Costume

por vítor, em 26.08.08

Uma mulher entrou de mansinho arrastando as solas dos sapatos na tijoleira vermelha. Apertou a mão a uma salamandra semi-nua, que vagueava ao acaso pelas redondezas, e resolveu pedir um bagaço.

O empregado, senhor de um porte arredondado, serviu com a gentileza do costume.

Deu um trago sem pestanejar e sentou-se na arquibancada do fundo retirando um chupa-chupa da malinha ligeira. Chupa aqui... bebe ali...chupa aqui... bebe ali... e assim vai o relógio do bar consumindo o inexorável fluir do tempo.

Entram clientes, sentam-se, bebem e pagam quase sem falar, enquanto o relógio e o empregado vão servindo sem pressas.

Duas rebimba-corações bebem em silêncio na esplanada. O Sol mergulha no mar e as gaivotas erguem-se nas sombras. Ao longe, um saxofone geme milagrosamente entre a babuja da preia-mar.

A mulher levantou-se e dirigiu-se ao balcão ostensivamente envernizado de espuma.

 - A minha conta, pediu com gestos meticulosamente embaraçados.

O empregado, que presenciara a lenta progressão da elegante senhora no salão, levantou-se cordialmente, do banco atrás do balcão, deixando o jornal, que lia sem interesse, pousar nas imperiais por tirar.

Uma centopeia, sem pernas, gritou na noite. A brisa nocturna, sem devaneios, invadira os lugares obsoletos, mordiscando os pensamentos dos lampiões tímidos da rua.

No instante em que a mulher tirou o montante, exigido pelo bagaço; da malinha, entrou no bar um cavalheiro sem olhar. A noite pareceu mergulhar no vasto oceano, enquanto o saxofone se extinguia entre os barcos sem cais.

Sem retirar o sobretudo, o homem sem olhar, voltou à rua e atirou-se na noite desaparecendo na encruzilhada das trevas.

A mulher, depois de receber o troco, penetrou no ar frio da maresia deixando um rasto de luz no alcatrão ainda quente.

O empregado, retomou a leitura do seu velho jornal: ... a solidão é o império dos sentidos.

 

 


 

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publicado às 22:20

A Mulher Santa

por vítor, em 07.07.08

 

 

  Afinal que faço nesta cozinha sem parafusos? Espreito a confusão da vizinhança para esquecer o nome dos amigos mais inclinados sobre a minha carcaça. Depois há a história do homenzinho que só tinha memória.

  Uma vez encontrei um homem que sabia falar do passado. Disse: eu só sei que não estou aqui, eu ando a viajar no tempo que já existiu antes de parecer que o é.

  Foram os dois, eu e ele, deslizando por entre as colinas rochosas da consciência. Aonde iremos? Pensei eu, rodeando cuidadosamente o cansaço envolvente. Chegaram a um local onde só se via o mar. Ali, disse ele sorrindo sem abrir os lábios, encontrei um dia uma mulher santa. E depois, como se a vida fosse um pião que nunca rodou. Era um dia soalheiro e o mar levantou-se tarde.

  A mulher agarrou-me a mão e disse-me que fôssemos ver as pradarias da neve onde habitam seres sem forma alguma. Fomos, eu e ele, caminhando até perder de vista. Fomos, ele e ela, até perder de vista, onde esperámos alguns amigos.

  Aquele homem contava-me milhares de histórias por onde nunca ninguém tinha passado e onde a criação era tão estética que não existia. Onde as pessoas eram tanto mais úteis quanto mais inúteis.

  Os amigos chegaram, então, entoando canções tristes e fumando caroços de espingardas. Chegaram e dançámos um pouco. A mulher, que mais tarde o homem soube que era santa, não moveu os cotovelos enquanto a música soou.

  Sentámo-nos, eu e ele, falando por entre as persianas do meu quarto.

  A mulher retirou os lábios. Aspirou-os pelo nariz. Todos experimentámos o mesmo, sentindo os pés a desligarem-se do solo. Sensação tal, só se conhece quando se lêem poemas na cama das mulheres que se amam. O homem não pôde conter-se e saiu de perto de mim. Vi que chorava como se fosse a primeira vez que o fazia. Soube mais tarde que não chorava, sentia o tempo.

  Quando puderam parar as emoções imprimidas pela vivência , um a um amaram a mulher. Depois todos. Depois nenhum.

   Mas o amor não é infinito, perguntei eu, talvez ingenuamente. Não, respondeu ele - ou talvez ela, o amor é o fim da imaginação é o princípio da estagnação dos sentimentos. Quem ama não sente, e aliás, nunca se sabe até onde os rios podem ala(r )gar as terras da paixão. Essa sim, infinita, portadora de dor e angústia. A paixão, meu irmão, assim como a saudade, são forças sem fim e sem começo. Na sua linha de contacto existe tudo o que há de bom. Nessa linha  bamboleiam os loucos. Para além dela, encontramos a morte da arte e o presente.

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publicado às 19:17

A Fenda Fatal

por vítor, em 04.01.08

Para quem asperge o sexo da mulher como a maravilha das maravilhas, lembro que a perfeição nesta magnífica e incompreensível obra de deus, o receptáculo da vida, podemos encontrar nós na galinha. A cloaca: sexo, concepção, micção e defecação na mesma fenda fatal. Desculpem-me mas o criador falhou na mulher por 3 centímetros... o que até dá jeito: dois buracos dão mais gozo do que um.

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publicado às 23:56

Só eu sei porque sou tão infeliz...

por vítor, em 24.06.07

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publicado às 16:17

Eleições francesas

por vítor, em 02.05.07

Ségolène Royal está deslumbrante. A "força tranquila" está de volta, agora emergindo do reconfortante regaço do "eterno feminino".

 

Nem precisava falar, só sorrir levemente. E a França poderá ser outra vez o país da revolução.

 

 

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publicado às 22:20


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