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Seguia estrada acima com uma dor manhosa no duodeno. Martelava as pedras do caminho com as velhas botas da tropa, distante, e talvez pensasse em bebidas estranhas de camone. As ervas da valeta exalavam cores abundantes e silvavam, baixinho, o gozo da carícia do Levante. Naquela altura os caranguejos começavam a espreitar, à passagem das pessoas, estendendo as pinças à esmola dos mais avantajados. A crise instalava-se no seio de todas as sociedades, complexas e não complexas, terrestres e marítimas.
Acotovelou um caranguejo à passagem:
· Xô monstrego de duas bocas sem açaimo.
· É só pra matar o bicho, pedinchou.
· Vai trabalhar prá estiva, incapaz.
· É a espandilose, desculpou-se.
· A espandilose o caraças, onde já se viu caranguejo com espandilose.
· É caso único, por isso te rogo dez tostões.
· Sou macho, muito macho e além disso não tenho dez tostões.
O caranguejo, visivelmente derrotado, voltou ao buraco; estreito e profundo, na lama negra e pestilenta, lavado em lágrimas.
O vento é um eterno agouro, uma voz angustiada de marinheiros que vivem no fundo do mar, sem barcos para navegar.
Escarrou, alto e bom som, sem no entanto parecer indelicado ou mal intencionado. Pensou que os anos não eram mais do que dentes que apodrecem sem razão alguma e que, por isso, são atirados aos telhados das pocilgas onde costumam viver os homens.
É sempre cedo para descontar os impostos dos peixes às mulheres que se vendem por garrafas de champanhe amaricado.
Começou a desafiar as gaivotas sem poder de elevação e enleadas nas nuvens:
· Então bicos brancos esfarrapados sem tesão, não gritam aos machos que passam? Com que coragem me fixam os olhos de patolas neutros?
Ninguém lhe respondeu e continuou ao acaso em direcção ao ocaso imperturbável. Não há recepção possível por parte dos loucos comuns aos loucos do poder.
Uma vez, quando a mulher das tempestades bonanceiras apareceu ao povo, perguntou-lhe quem era o responsável pelo fluir das bebedeiras dos passarinhos metamorfoseados em passarões com pele de lobo e sentimentos de cordeiro. A resposta foi vaga mas responsável:
· Um homem foi às traseiras da sua casa numa noite de bonança e se a cidade fosse no seu quintal teria visto toda a confusão da noite na palma das suas mãos.
· Está bem, disse um amigo de ocasião, e se os anjos fossem realmente bons? A resposta amputaria assim as memórias vazias?
A mulher das tempestades bonanceiras começou a mudar de cores e, quando se tornou amarelada, desapareceu deixando um imenso oceano de respostas nas mentes dos cobardes presentes.
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