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Do Determinismo Literário

por vítor, em 01.04.25

Leituras para outonos:



 

Uma das mais importantes conquistas do escritor, e relevo sempre, na minha modesta opinião, que o escritor é igual a qualquer outra pessoa, e que qualquer outra pessoa pode ser, já o é em bruto, um artista, é a sua voz. Não é suficiente, mas é, seguramente, condição necessária. Só quando o escritor é possuído pela sua voz, se torna um criador singular. E um artista!

Como podemos facilmente constatar, hoje, e em todos os tempos, os que campeiam na praça usam, e alguns abusam, das vozes de outros. Brilham, muitas vezes sem dar por isso, e orgulhosos disso, dessa voz, nos salões, exposições e concursos, por esses campos afora. Muitas vezes, quase sempre eles, ganham prémios e mordomias. Muitas vezes com vozes extraordinárias. Só que são vozes extraordinárias de outros. Um "plágio" subliminar, difícil de provar e, por isso, legal. A realidade é diferente para cada pessoa. Só a ficção poderia, nunca o é, ser semelhante para todos. O que a paixão vê não existe. Apenas alguns cadáveres se passeiam com resquícios de literatura agarrados ao corpo, e, algumas vezes, às almas. Espectros!

A cena literária nacional é tão pequena, tão circunscrita, que, quando te pões a falar mal de alguém, se te descuidas, já estás a falar mal de ti próprio. E, para teu alívio, e espanto, isso sabe-te tão bem! A literatura deixou de servir para inquietar ou contaminar. Sabemos, no entanto, que os agentes literários, leitores, escritores, editores, livreiros, críticos, entidades oficiais e oficiosas, premiadoras do mérito e do demérito, formatados pelas correntes redutoras dos meios artísticos, ao menor desvio da regra não inscrita, do caminho já pisado, fremem de indignação e malham nos que se atravessam nesta estrada da inquietude oficializada e canónica. Nada há de mais perturbador do que um sujeito em contramão na autoestrada. Nadando contra a corrente do rio grosso e manso. Ciando em barco alheio.

Talvez por isso, seja tão universal a simbologia da cabeça decepada. O Areopagita, São João Baptista, os Santos Mártires de Marrocos, Luís XVI. Quem não acompanha a arte como mezinha desinquietante, tem o pescoço exposto à fria e pesada lâmina da guilhotina.

O novo escritor será um mártir literário. Não lhe bastará a pobreza e a inutilidade das escritas, ainda precisa de ser maltratado por leitores, pares e críticos. Quanto mais desconsiderarem e rebaixarem a sua escrita, mais feliz se sentirá. Como a um mártir, o castigo só reforça o martírio: curiosamente, e a cultura judaico-cristã-islâmica é terrível e exemplar nestes domínios do martírio, castigador e castigado, escritor e leitor, retiram prazer do castigo. Quando alguém elogia o escritor, por caridade, dever ou admiração, vê-lo-emos a planar, sem chão, vazio e aparvalhado. Quase sempre, enveredará por outros caminhos que se afastem da bajulação do leitor: o leitor é, continuará a ser, por incrível que pareça, a medida de toda a escrita. Criador e criação, sendo um outro e outro um, numa dança sem fim rodopiando convulsivamente ao som de uma música gravada a fogo na memória coletiva da humanidade. A lassidão das peias deterministas, que libera loucos e dementes das pesadas correntes do determinismo social, faz destes os potenciais inovadores mais fecundos de entre os criadores. As obras de ponta serão o resultado, cruel e vazio, de mergulhos, em apneia, de pescadores descomprometidos no profundo e vasto inconsciente. Pescadores sem rede, de pérolas inúteis. Inúteis, mas preciosas.

Tudo o que fazes se liberta do que somos. A autoria é sempre uma obra coletiva sem autor. Inimputável. Sempre a obra, por vezes o suposto autor. O que a IA nos vai trazendo, aos trambolhões, não é senão o acentuar e adensar deste pastoso manto que vai transportando e moldando a nova literatura. A IA varre o mundo cibernético, ainda pouco complexo, falacioso e de panóplia bamba, à caça da narrativa; a autoria humana, a mãe de todas as inteligências, varre a genética e a cultura arquetípica, um universo de complexidade e autenticidade sem fim, sempre em reformulação e revolução, esculpindo novas realidades de uma simplicidade excruciante, dolorosa e, inevitavelmente, dolosa.

Resta-nos a voz. A voz que a tecnologia nunca encontrará.

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publicado às 18:46

Apresentação de Escrituras

por vítor, em 03.06.24

Pode ser uma imagem de 2 pessoas e texto

Meus amigos, como podeis ver, vou apresentar o meu mais recente livro. É um acontecimento raro. Por mim, não apresentaria mais livros com o gasto formato “institucional”: um apresentador, dois ou três diseures, o editor, o autor, ele próprio, um número musical e uma plateia onde, na primeira fila, se acotovelam uns familiares babados, nas filas seguintes uns amigos, meio contrariados, e, finalmente, nas últimas filas, talvez os mais interessados, e interessantes, uns conhecidos vagos. A fórmula rotineira vem-se acomodando aos escritores e continua a reproduzir-se pelo país fora, desde o mais recôndito povoado, à mais densa metrópole. Grandes e pequenos artistas, apresentam-se, e revelam as suas obras, como se de rituais ancestrais se tratassem e não houvesse outra forma de revelar as suas criaturas ao mundo. Bem sei que esta é ainda a melhor maneira de vender livros e, para quem aprecia, estar mais próximo dos seus leitores. Mas, caramba, Mário Cesariny apresentou um livro num baile, Fernando Ribeiro de Mello, na noite de 15 de Dezembro de 1971, reuniu em sua casa uma chusma de jornalistas e figuras dos meios culturais lisboetas, tendo-os recebido dentro de uma ampla banheira circular, coadjuvado por uns sujeitos vestidos de diabo e um par de travestis em trajes menores em cujos corpos tinham sido desenhados os títulos de quatro livros a apresentar. Nos dias de hoje, com respeitinho e disciplina, não fazemos outra coisa que não satisfazer as editoras e os poderes instituídos: tudo o que vai para além da norma e do expectável é censurado, e autocensurado, e reproduzimos modelos insonsos e já testados.
Como vos dizia, a raridade do ritual, deste evento sem interesse de maior, deve-se ao denso desiderato contratual. E lá estarei, depois de anos sem apresentar um livro, para vos dar a conhecer a minha mais recente cria. Lá estará, também o editor e tradutor, o livro é bilingue, para castelhano da obra. Poderia ter convidado uma estrela do mundo literário para apresentar a criatura, uns amigos do teatro para ler textos e, outros, músicos para tocar umas peças. Poderia ter enviado convites a autoridades várias, públicas e privadas, a amigos e conhecidos. Talvez tivesse casa cheia. E vendesse muitos livros! Mas sentir-me-ia um bully.
Será uma conversa com quem quiser aparecer. Falaremos de livros e escritores, de edição e distribuição. De leitores e nichos de leitura. Abordaremos a falácia de que se vestem e travestem uma grande parte dos livros e dos autores. Da inutilidade da criação e da ausência do autor nos abismos da criação artística. Da vaidade como motor da produção do artista. Ou da importância do feudalismo literário na proteção e promoção dos seus subordinados. E do que mais entenderem conversar. E do silêncio que envolve as palavras
Garanto que lerei alguns textos, qual bardo gaulês. Se também o quiserem fazer, agradeço.

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publicado às 17:35

Festivais literários

por vítor, em 09.05.23






"Como escritor, nada mais tenho para dizer do que aquilo que já disse através da minha escrita. Sendo que o que foi dito foi quase nada."

Resposta do poeta Edgar Lua a um "honroso" convite para um "importante" festival literário.











 

 




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publicado às 00:51

todos os sonhos são possíveis...

por vítor, em 09.10.12


Estou cá com uma fezada para o nobel da literatura este ano...

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publicado às 22:09

intermitências da vida

por vítor, em 18.06.10

 

O panorama da literatura portuguesa é um deserto bem árido. Nesse deserto emergem, raras vezes, oásis flamejantes que se projetam na história da literatura universal. Esses oásis disfarçam a mediocridade dominante. Com os dedos de uma só mão contaríamos os génios da literatura universal que também o são da  literatura  portuguesa. Temos Luís de Camões, temos o maior poeta que se passeou na crosta da Terra, Fernando Pessoa,  e temos José Saramago. O resto é paisagem. Por vezes indistinta. Rasa e nula.

Hoje, desapareceu fisicamente o maior prosador da língua portuguesa e um dos maiores da literatura universal. Chamava-se  José. A plateia pateou-o muitas vezes. A genialidade é desassossegante e o desassossego é a morte do burguês. A literatura portugesa é burguesa. Contentinha e vaidosa. Auto-satisfaz-se e não arrisca. É um mundo de palmadinhas nas costas e de apresentações de uns para outros e de outros para os mesmos. Hoje é um dia verdadeiro. Todos vão tentar ser seus amigos. Todos irão esbarrar com a morte que traz a eternidade.

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publicado às 22:53

o estrangeiro

por vítor, em 04.01.10

Este foi um dos homens mais importantes da minha adolescência. Morreu há 50 anos.

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publicado às 18:25

os animais da cabeça (cena II)

por vítor, em 16.02.09

 

 

Trabalho gráfico e audiovisual de Adão Contreiras, um dos algarvios que o ALLgarve censura por omissão.

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publicado às 21:57

4 Águas na cidade

por vítor, em 10.12.08

Sexta- Feira lá subirei, com muito custo, à cidade. Dever de editor.  Só por isso abandono o meu sagrado  eremitério. E mesmo assim, até ver...

 

 

Apareçam!

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publicado às 21:09

Eduardo Prado Coelho

por vítor, em 25.08.07

eduardo_prado_coelho.jpg

 

Conhecia-o de vista na FCSH , da Nova. Era um sucesso entre os alunos ( sobretudo entre as alunas). Infelizmente não pertencia ao corpo docente que tínhamos em Antropologia.

 

Mais tarde tornei-me seu amigo através das crónicas diárias no nosso Público. Como amigos verdadeiros, nem sempre concordávamos.

 

Agora, vou sentir o vazio de uma incompreensível ausência. A ausência do verbo...

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publicado às 22:26


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