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Filosofando na Quinta da Cativa. Utilizando o velho método árabe da regueira e da caldeira (bem visíveis no pátio da Mesquita de Córdoba, só que aqui fixos) cá vamos passando as horas. Aqui há uns poucos anos, os filhotes acompanhavam a rega de rojo eufóricos. Corridas de barcos, nos graciosos "rios", e água no Verão eram atrativos incontornáveis. Agora, nem por lá aparecem para dar uma mirada. Perde o pai, ganha a filosofia...
a caldeira, já cheia;
"rios";
um pequeno pomar biológico;
a amiga (não das mãos) neolítica;
amiga à sombra: para fumar um cigarrito e assentar sofias.
O Verão continua. Depois da tempestade de ontem com a derrota dO Inominável, que me fez estar acordado até ás 4 da manhã ( o que vale é que dei um avanço enorme no livro do Loução sobre Templários e esoterismos), hoje, um dia perfeito.
De manhã, café e leitura do jornal no Chá Com Água Salgada, na praia da Manta Rota. Mar à vista. Passeio pela praia e almoço comprado em Cacela - febras com batatas fritas e arroz - para alegria do filhote e descanso do pessoal maior.
De tarde, rega das árvores mais stressadas da secura, café em Cabanas, à beira da serena Ria Formosa, visita à mãe e, novamente, rega. Em Cabanas encontro feliz com um velho amigo da aldeia, que não via há muito. O meu filho comentou a estranheza, dele, é claro, em relação ao meu amigo e à família. Bem diferente de nós. Nós todos turista pé descalço, eles todos domingueiros. Expliquei-lhe que aquele amigo querido tinha perdido o pai quando tinha dez anos e que tinha deixado a escola para trabalhar para a família. Ele, a mãe e uma irmã bebé. O pai tinha 40 anos. Ainda me lembro, com se fosse agora, dele a pontapear as pedras da nossa rua com a raiva da perda do pai. Trabalhou nas obras até casar. Depois, como o sogro tinha um barco, na dura labuta da pesca, até hoje. Até casar, andou sempre comigo e com os amigos de sempre, que estudaram até tarde. Gostava muito de aprender e pedia-nos os livros que deixávamos de precisar à medida que íamos passando de ano. Sobretudo os de Geografia. Depois de casar, deixou a aldeia e foi morar para Vila Real. Passámo-nos a ver pouco. Os outros 4 amigos também seguiram os seus caminhos mas foram-se sempre encontrando, até porque 3 vivem perto. Quando o 4º desce de Lisboa, onde vive, os encontros são memoráveis. Paralelamente às profissões do dia a dia, ligaram-se ao ao teatro, à música, à escrita e às artes plásticas e o amigo pescador foi ficando nos recantos quase inacessíveis da memória. Nas tais noitadas de arromba, sempre nos lembramos dele e combinamos que para a próxima teremos que o contactar. Nunca aconteceu. Hoje trocámos de números de telemóvel e... para a próxima é que vai ser. Foi muito bom tê-lo encontrado. A seguir, visita à mãe e degustação dos tradicionais doces de figo e amêndoa do dia de todos-os-santos. Quando era menino detestava-os. Agora adoro-os. Estrelas de figo com amêndoas nas ponta e figos cheios são os meus favoritos. Regresso à Quinta e recomeço da rega. Enquanto as laranjeiras, noutro lado, bebiam a água da rega gota-a-gota, eu regava, de rojo, as tangerineiras e outras árvores de fruto. De rojo a água, não eu. Este sistema de rega tradicional consiste em levar a água por um rego (um pequeno rio) até às árvores sedentas e alagar uma caldeira à volta do pé. Depois passar para outra árvore e assim sucessivamente. Vi, no pátio das laranjeiras da Mesquita de Córdova, um sistema muito parecido a este, certamente uma técnica trazida pelos árabes para a Península. Este método de rega é extraordinário: rega com eficácia e permite ao trabalhador um trabalho lento, metódico e sempre em contacto com a água. O único problema é a lentidão da rega: regar uma laranjeira leva 5 minutos e sempre com a supervisão do trabalhador. 100 árvores são 500 minutos. Mais de 8 horas. Com a gota-a -gota regam-se 100, 200, 1000 em hora e meia e ainda por cima sem ser necessário trabalhador algum.Por isso as que rego de rojo são apenas cerca de 30. Para reflectir não há melhor. Uma auto-psiquiatria inqualificável. Depois, atira-me para o passado, longínquo e mais recente: longínquo quando toda a quinta era regada assim e eu, criança, brincava com barquinhos nos "rios" que o meu avô guiava até às muitas centenas de laranjeiras; num passado mais recente, quando os meus filhos brincavam nos meus "rios". Agora só o meu cão Matrix e a minha gata Beti por lá aparecem a fazer companhia. Enquanto esperava que cada caldeira enchesse e antes de, com uma enxada ensinada, fechar uma "porta" e abrir a próxima, ia comendo romãs que apanhava nas vizinhas romanzeiras.
Finalmente, um cigarrito enquanto o Sol se punha por detrás do Cerro de S.Miguel. Um dia perfeito. Pelo põr-do-Sol, parece-me que o Verão se vai amanhã embora. Oxalá, estou à espera da chuva há muito.
(enquanto escrevia este atabalhuado texto, passámos para o outro dia. O dia perfeito já não é o de hoje...)
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