Homero, o maior sábio da Grécia, inquiriu o oráculo sobre quem e de onde eram os seus pais. Quando lhe foi dito que sua mãe era natural da ilha Io e que seria esse o local da sua próprias morte, uma curiosidade ardente consumiu-o por dentro. Não descansou enquanto não visitou a ilha.
Desembarcou na terra de sua mãe e uma serenidade inteira e tão confortável que até parecia obscena, a quem de nada precisava para ser feliz, apoderou-se de todo o seu ser. Alma e corpo num só sujeito a caminho da eternidade.
Quando se deliciava com os sons do mar genético, acolhedor e misterioso, deu conta que dois pescadores regressavam dele sem qualquer peixe nas redes. Quando se aproximaram, o sábio dos sábios, questionou-os sobre o porquê do fiasco da pescaria. Responderam: o que apanhámos deixámos, o que não apanhámos trouxemos. Homero sorriu de contentamento. Um enigma! Durante a sua longa vida tinha-os resolvido a todos e a sua fama de desenrolador de meadas enleadas e ocultas tinha chegado a recônditos lugares do mundo conhecido. Atirou-se a ele com a voracidade de jovem principiante. Pensou, repensou, voltou atrás e experimentou vários caminhos sinuosos e áridos. Rugosos e escorregadios. Relembrou enigmas e mistérios desvendados por si e por outros sábios. Gregos e bárbaros. Voltou a percorrer os sombrios caminhos da mente em sentido contrário. Mirando e remirando todos os becos e meandros do pensamento. Ao fim de um longo tempo, que lhe pareceu tão comprido como a sua longevidade terrena, desistiu e, humilhando-se até não mais poder, perguntou aos pescadores qual a resolução do enigma. Por breves instantes pensou que o enigma não era senão uma brincadeira de mau gosto e que a solução não poderia existir para além de Homero o velho que tudo adivinhava.
Os dois pescadores riram a bom rir e disseram: os piolhos. Os que apanhámos deitámos ao mar. Os que não apanhámos trouxemos connosco para terra.
O maior sábio que o mundo antigo conheceu estremeceu em convulsões revoltosas e borbulhantes e mesmo ali deixou os vivos para se embrenhar no distante e numinoso mundo de Hádes . Assim se cumpriu o vaticínio fatal do oráculo.