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Sons do Martírio

por vítor, em 01.04.25

Lúcifer passa de canon analógica AV-1 ao ombro com um rolo a preto e branco. Procura deus para o fotografar de surpresa. Eu, que conheço bem os dois, não acredito que o consiga. Deus está em toda a parte e em lugar nenhum. O mafarrico é um idiota inútil . Meu senhor vêde como conseguirei parecer-me com um homem. Ajudai-me na minha modesta aventura de me olhar no espelho negro da solidão. No retorno sem dor ao cavername sombrio do navio afundado na tua mente. Náufrago na tua memória. Lúcifer dança na manhã nevoenta e fotografa tudo o que não consegue ver na esperança de apanhar deus desprevenido. Os gritos que descem da aurora eminente são apelos dos anjos que não conhecem o fedor das entranhas de deus. Que labirinto será o dos dias sem dono, onde a tesão escolherá os que morrerão de desejo na sombra imaculada do inferno. Onde caem os cadáveres dos que vivos terão perecido para renascer? Nos tempos em que a saudade roía a memória das donzelas escarlates lambendo cones de baunilha falsificada e das que, meretrizes sendo, herdavam o dom de se revelar como odaliscas desamparadas resvalando nos profundos abismos da carne. Suando em casacos de pele de elefante e cantando odes ao acaso encantando sepentes desnorteadas que por ali passavam sem destino. É então que os ossos das preguiçosas enguias se enlaçam nas pernas dos heróis desconhecidos e impedem a festa que se anunciava para domingo. Se a festa não for nesse dia nunca mais poderás usar gravata aos domingos. Lúcifer espreita por detrás da sarça ardente e, rodeando com perícia o púbico deserto do sinái, fotografa Moisés que tomou por deus nosso senhor. É nesse desespero que se imola na sarça ardente enquanto as tábuas sagradas são divulgadas às pedras. Ardia o diabo na moita divina quando se ouviu uma voz de trovão ribombar no deserto. Quem ousa arder no fogo de deus? Quem ousa usurpar a chama que aos homens se destina? Nisto, um clarão imenso* iluminou as trevas. A chuva que caiu durante cem anos bastou para renegar, e regenerar, todos os crimes que deus cometera. E então um sol sem explicação alumiou os dias sem fim.



* E não, não era o flash da canon.

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publicado às 19:13

...

por vítor, em 01.04.25

Antigamente, até um antigamente pouco distante, as forças progessistas puxavam a carroça pelos varais, fazendo-a avançar, sempre com dificuldade, e, com alguns recuos circunstanciais, em frente, encosta acima. Nos nossos tempos, os tempos de hoje são "o nosso tempo" de todos os vivos, mudaram-se, atabalhoadamente, para a ré, metendo ombros à viatura de forma a que esta não resvale e inverta a sua marcha ladeira abaixo. De motores do desenvolvimento e do progresso, seja lá o que isso for, e que os números, cientificamente comprovados, demonstram, a paraquedas de sociedades em auto desestruturação.

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publicado às 19:11

Iguarias imponentes

por vítor, em 01.04.25

A culpa é uma invenção das religiões para refrear o desejo. O escrutínio do indivíduo que pensa que age de forma errada porque a sociedade lhe impõe um roteiro de possibilidades já testadas e avaliadas. Ser livre é andar a tatear na escuridão e cair nuns buracos ao acaso e embater em muros que nos conduzem a outros buracos e a outras paredes e a subir e descer vertentes de toda a espécie, voltear e recuar avançar sem saber se, afinal, recuas no espaço e no tempo ou na memória. Ser livre vem a dar no mesmo do que seguir o roteiro determinado: evitando-te, porém, este último, tanta volta e revolta e perda de energia e tempo. Por isso, a escolha torna-se fácil e, tão frequentemente, a mesma de tantos. E a culpa acompanha-nos, oferecendo a quem passa o generoso amparo dos deuses.



A energia que os anima é a mesma os devora.

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publicado às 19:08


Como se tudo não passasse de um grande embuste, fiz-me ao caminho. As praias foram-me sempre mais lugares de partida do que de chegada. Até porque são mais os que partem do que os que chegam. São muitos os que se perdem na viagem, mais ainda os que nunca se aproximam do seu fim. Diríamos, mesmo, que nenhuma criatura cumpre o seu caminho, cumprindo, no entanto, sempre o seu destino: a morte! O mais difícil, sei-o bem, é distinguir entre viagem e destino, e desenlear os nós que as duas estranhas estradas desenham para nos iludir. Para nos chamar ao seu caminho. Nunca compreendi porque são tão imperativas estas vias. Se impuseram o algo ao nada, se nos atiraram para a vida sem sequer nos ouvir, se nos não deram ferramentas suficientes para lutar com os furiosos elementos e nos tornam mais frágeis quando nos aproximamos do belo (esse mesmo belo que não nos deixam compreender: porque são as montanhas belas? como pode ser belo um rosto entre outros? Que graça tem um animal?) e do sublime, quando nos dão a euforia como droga da salvação, que nos destrói e catapulta para a depressão mais profunda do mar revolto que atravessamos. A uma crista da onda vem sempre um vale. Às ondas da euforia sucedem vales profundos e encaixados, depressões sombrias, bastas vezes sem possibilidades de retorno e conduzentes à morte. Morte física ou psicológica, que, ao fim ao cabo, são, ou representam, a mesmíssima coisa.



[ ] Quando me fiz ao caminho, apetrechei-me, como seria de supor, com tudo aquilo que achei necessário para a aventura em que me ia meter. Inerme, lanço-me à aventura seguindo, assisadamente, o rumo do vento. Tudo o que me chegava, chegava antes de o encontar, e, assim, não seria surpreendido pelo desconhecido. Conhecê-lo antes de se apresentar é uma vantagem que explica, em parte, a calmaria dos que estudam o silêncio das ocultas presenças que se erguem do desconhecido. Nada parece mais próximo de nós próprios do que aquilo que não conhecemos. O que está longe, mesmo que esteja acantonado ao dobrar da esquina da consciência, está perto. Tão perto que a possibilidade de se deixar conhecer é praticamente impossível. É nesta incertidão, que arrasto o esqueleto na direção da ventania. Há criaturas que passam em sentido contrário a grandes velocidades. Levam sorrisos abertos e nunca acenam. Parecem conhecer previamente o lugar para onde vão. Não há longe para quem navega a favor do vento. Quantas vezes pensas voltar e seguir o seu caminho? Ou, o do homem calado? Há momentos em que deixas o olhar seguir as suas trajetórias prazenteiras. O corpo hesita. Mas sabes que o que interessa é deixar o cabelo soltar-se sobre as costas. O caminho mais difícil é o que te levará a descobrir terras incendiadas, devastadas, pelos que ousam descansar nos momentos tormentosos da noite e fugir da ilusão que encanta a visão domesticada das coisas.

[ ] O futuro é um resgate sem retorno do que os passageiros do tempo improvisam quando a viagem é interrompida. Cansados são os tempos que da coragem emergem para resgatar o que da loucura se exibe e grita.

Um dia distante, chegarei, náufrago e indigente, à praia que me viu partir com as velas enfunadas. Quando partimos, somos só nós que deixamos ficar a imensa solidão do que resta.

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publicado às 18:36

Escarafunchando num passado inexistente

por vítor, em 01.04.25

Escarafunchando num passado inexistente



O calor cresce lá fora. Enquanto a calmaria se precipita do céu violeta, dou por mim a revolver os resistentes socalcos da memória. Alguns substratos profundos são compostos por sedimentos de memórias partilhadas. Escarafuncho e os sedimentos esboroam-se e invadem outras camadas confusas do antro cavernoso do pretérito, aumentando a confusão e ocultando a massa disforme que tento penetrar.

Por vezes recorro a memórias externas que se cruzaram nos caminhos que percorri e vou tentando compor pequenos e difusos fragmentos que me permitam chegar mais fundo. Colar fragmentos de um mosaico, ou melhor, de uma película irrecuperável mas que, à maneira do digital, possa fazer sentido e sarar feridas escancaradas de outrora.

Continua a crescer o calor lá fora. O cão uivou pressentindo inquietudes nas pessoas que se afundam na História incompleta. (há uns dias, por brincadeira só falei inglês com ele: come on on Matrix, your food Matrix, you are the especial one Matrix. Foi-se embora e só voltou dois dias depois. As memórias dos cães são mais selectivas do que as dos homens). Como eu ia dizendo, o Matrix uiva nas sombras. A liberdade só é possível num sistema sem memórias: quando esburacas num passado inexistente. Só perante a vida. Caminhando, sem olhar para trás, nas numinosas paisagens onde as pegadas se apagam antes de os pés assentarem nas areias. Caminhando em intermináveis socalcos metafísicos.

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publicado às 18:32

cacofonias

por vítor, em 15.09.21

A verdade só existe na natureza. E mesmo aí… nem o penso logo existo de Descartes convence toda a gente. Numa sociedade liquefeita – à maneira de Zygmunt Bauman, a verdade e a mentira, e os eufemismos que as maquilham, vestem e travestem, deixaram de ter fronteiras nítidas e confundem, e fundem, as mentes de uma sociedade ávida de verdades e valores. Na liquidez pastosa do pântano social, são necessárias, como alimento vital, ilhas salvíficas para náufragos sociais desesperados.

Voltar atrás, aos valores e às simbologias bem desenhadas nas representações sociais dos transeuntes e refletidas nos comportamentos antropológicos, é a vontade de uma parte significativa da sociedade. Só que na História, os únicos que regressam ao passado são os… historiadores.



A classe média acabou, a burguesia está acantonada num gueto, desorientada e sem saber como de lá sair, as marcas e as novas vagas estão entregues a arrivistas doidos e jogadores compulsivos que se auto destroem (com gozo, diga-se de passagem). A efemeridade impõe-se e a logomania é uma quimera que se desfaz por entre as múltiplas nebulosidades. A cacofonia vai ser o padrão comunicativo...

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publicado às 16:56

o caminho é uma metáfora do futuro

por vítor, em 15.09.21
Sabemos mais hoje do que saberemos nos dias futuros e as nossas mãos só recordarão as dores do veneno crescendo do passado. Obscurecendo as memórias do tempo em que convidávamos os pássaros para nos contarem histórias de encantar: histórias mágicas do passado, claro.

Sabemos mais hoje sobre o esquecimento, mnemónicas arrancadas à morte, do que das vivas ribeiras irrigando a consciência, do que das jovens células implodindo as veias ocas que conduzem as cápsulas da informação divina: colapsos abismais rasgando o tecido da memória, da perceção do fim.

Se nos inclinássemos sobre a mesa onde os dados são atirados ao acaso, poderíamos rir e apodrecer – assim – felizes sem nunca violar o que a nossa própria identidade reflete.

O caminho é uma metáfora da inércia e dos sentidos, uma tentativa vã de explicar e destruir as barragens que impedem a infância de chegar até nós.

Sabemos mais antes do que depois. Do principio do que no remate de tudo. No fim e na morte não nos restará nada. Nem sequer um sonho numa noite fria.

Convidar pássaros para recriar a infância, seria a solução para te entenderes e poderes procurar-te até ao dia da criatura final. Inacabada e só. Os pássaros não aceitam convites de escritores e o fim fica longe de tudo. Mesmo da tua ignorância.

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publicado às 16:51

As Gargalhadas de Deus

por vítor, em 05.11.20

O filósofo e poeta Luís Serguilha falando-nos dos tempos de hoje e dos tempos dos tempos.

 

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publicado às 15:25

alf@, trabalho e curtição

por vítor, em 07.09.10

 

Setembro é um mês terrível. Recomeça o trabalhinho que permite obter  as coisas para o dia-a-dia, inicia-se a campanha da alfarroba. O preço cada vez baixa mais ( o ano passado a arroba era a 4.80 €, este ano é a quatro) e a paciência cada vez é menor. Como já vos disse é um trabalho bom para filosofar, para o encontro connosco e com a "natureza". Mas passar horas a varejar, a apanhar e a transportar as sacas para o armazém é um exercicio de filosofia zen que me começa a pesar. Este ano, ando na campanha com o meu filho mais velho. É uma epécie de represália pelo seu primeiro ano de faculdade desastroso. Coitado, doi-lhe tudo e arranja todas as desculpas possíveis e imagináveis para se cortar.

Para o ano tenho que arranjar alguém que me faça o trabalhinho. Como?, não sei ainda bem, mas alguma coisa se há-de conseguir. O que me consola é que o trabalho na terra funciona como a frequência do ginásio. Já começo a ficar com um cabedal de fazer inveja aos cinquentões, e às cinquentonas, cá da terra...

Ainda por cima, o trabalho/trabalho, este ano,  tem a novidade de se iniciar com os tais de mega-agrupamentos e tem sido uma mega confusão. Mas não há-de ser nada.

Temos portanto uns dias em cheio: de manhã e parte da tarde, mega trabalho com novas caras, novos espaços, novos procedimentos, novas manias e novas confusões; ao fim do dia, alfarroba e mais alfarroba; à noite, aniversários de amigos, amigos que chegam e que partem (copos e tabaco em excesso), filhote mais novo que sai com os amigos, etc,etc,etc. Tem sido duro. Amanhã, tudo recomeça.

 

O que me consola é que, depois de um Verão extremamente longo e quente, vem aí a chuva e o frio...

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publicado às 23:06

filosofando com as águas

por vítor, em 06.06.10

Filosofando na Quinta da Cativa. Utilizando o velho método árabe da regueira e da caldeira (bem visíveis no pátio da Mesquita de Córdoba, só que aqui fixos) cá vamos passando as horas. Aqui há uns poucos anos, os filhotes acompanhavam a rega de rojo eufóricos. Corridas de barcos, nos graciosos "rios",  e água no Verão eram atrativos incontornáveis. Agora, nem por lá aparecem para dar uma mirada. Perde o pai, ganha a filosofia...

 

 

a caldeira, já cheia;

 

 

"rios";

 

 

um pequeno pomar biológico;

 

 

a amiga (não das mãos) neolítica;

 

 

amiga à sombra: para fumar um cigarrito e assentar sofias.

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publicado às 22:52


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