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Como se um cão fosse

por vítor, em 01.04.25

Um poeta colossal lê pequenos poemas, talvez haicais, que os talheres do bar abafam. Entram poetas de idades avançadas, mulheres com rugas rompendo as camadas de creme esbranquiçado, cheirando a perfumes intensos, mas, talvez por isso, baratos. O colosso retira-se sob uma torrente ruidosa de aplausos sinceros: é uma estrela da televisão e dos grandes salões. Quem agora exige atenção cirúrgica e demorada é uma poeta de umbigo à mostra, barriga lisa e namorado babando, e bebendo cerveja, na primeira linha da assistência. Vira-se para trás mostrando desagrado com a colisão de metais, vidros e porcelanas, por dentro do balcão. Elege Robert Redford como sujeito poético e leva-nos a Hollywood sem livre-arbítrio. Foda-se!, entrou no estabelecimento comercial uma poeta com um rabo magnânimo. Sinto mesmo um prenuncio de ereção abortada. Como gosto de rabos bem proporcionados de poetisas (bem metida esta variação da palavra, hein!), cheirá-lo-ia como se de um cão fosse.

O umbigo em barriga lisa retira-se, perante o deslumbramento do poeta enamorado da primeira fila, e o cu soberbo, nalgas mágicas, impondo a tesão, mantem-se no meu campo de visão como elefante que se atravessa num pesadelo de criança.

Os leques andaluzes atenuam o bafo escaldante do vento, as mesas enchem-se de copos de tudo e um poeta chinês emerge, ou melhor, desce, da Serra de Aracena, onde porcos pretos transportam poemas nas suas pernas preciosas, poemas translúcidos fazendo babar os transeuntes. O vento Norte (?) açoita a rua e a barulheira de pratos, copos e talheres impõe o ritmo do evento.

Chega, entretanto, de súbito, a minha vez e subo ao palco baixo de onde se lançam as palavras. Levo, por debaixo do sovaco, o meu novo livro de poemas. Abro-o na página 27, como previsto, e início, com espanto e estranheza, o poema que por lá se escarrapacha. Titubeio e as palavras não me parecem minhas. É longo e a minha lenta leitura fazem-no quase ficar fora de prazo.

Saio debaixo de uma forte salva de palmas e meio almariado com o cheiro a sovaco.

Aborrecido como uma pedra ao Pôr- do-Sol.



Edita, 1 de maio de 2019

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publicado às 18:52

Festivais literários

por vítor, em 09.05.23






"Como escritor, nada mais tenho para dizer do que aquilo que já disse através da minha escrita. Sendo que o que foi dito foi quase nada."

Resposta do poeta Edgar Lua a um "honroso" convite para um "importante" festival literário.











 

 




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publicado às 00:51

Uma Epifania Anunciada

por vítor, em 13.07.08

 

 

Era uma epifania anunciada. Mesmo assim senti-me como Moisés perante a sarça- ardente, na península do Sinai. Deus chegou, como o anunciado, às 21 e 40. Nunca falou directamente à assembleia. Envolveu-a com parábolas, hipérboles, analogias e outras piruetas retóricas tão bem do agrado dos crentes. Deus antigo, não sorriu. Deus que sabe que só a Sua presença basta, não fez nada para agradar a quem precisa do espectáculo divino.

 

Tinha medo, medo da Sua presença. Nunca tinha estado tão perto de um dos meus deuses. Vivo. Um dos maiores. Ou talvez o maior. Zeus de um panteão não muito extenso.

 

Por norma, basta-me a Obra Divina. O encontro com Deus pode sempre constituir uma desilusão dolorosa e marcante até ao fim dos dias. Lembro-me amiúde da estória do sociólogo Jean Cazenneuve sobre o miúdo apaixonado por uma cantora de ópera, que a segue por todo o lado e que um dia, após um concerto, ganha coragem e invade clandestinamente os bastidores, para a abordar. Quando a encara, esta, está sentada na sanita a mijar. Toda a mágica se esvanece e o rapaz sai espavorido da cena deixando para trás uma mulher atónita. Nunca mais quis saber de óperas nem de cantoras de qualquer género musical. Os deuses também têm caspa...

 

Bob Dylan. Está ali. Um velhinho de vestes ridículas. Pernas abertas e tortas perante um  órgão baixo. São estas pernas que mais interagem com a música.  Uma voz roufenha e hoje incompreensível. Não mexe numa guitarra. Toca músicas que não conheço ou não entendo. As músicas que comigo atravessam os tempos são outras. Só a custo registo a balada de um homem magro (o melhor momento da liturgia). No final, como uma pedra rolante. A pergunta how does it feel, já não soa como uma pergunta. Like a Rolling Stone, já não soa como a resposta. No entanto as lágrimas assomam quando a harmónica soa na noite.

 

Registo com apreço a Sua recusa a envolver-se na sociedade em que tudo tem um preço. Nada de fotografias ou imagens para banalizar o mito. Ou comerciá-lo.

 

Desiludido? Não! Nunca! A um politeísta como eu. Na alma de quem os deuses são homens que se tornaram génios a obra é o que conta. Continuarei a evangelizar até ao fim. A Sua presença basta-me.

 

PS: Metido à  estrada com um filho de 18 anos, este on road again torna-se, por si só, outro momento mágico. Por ele o festival durou da 5 às 3 da madrugada. Eu não duraria muito mais e, quando o consegui sacar do cuduro dos BuraKa, estava à beira da rotura física e mental. Para um quinquagenário misantropo, 10 horas de festivais são demais. No entanto, hoje em que escrevo estas palavras, sinto-me muito reconfortado na minha auto-estima por ter aguentado tanto…

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publicado às 15:15

Misantropia Irritante...

por vítor, em 09.07.08

Não fora já ter bilhete para o Robert Zimmerman,  para o dia 11 em Oeiras,  e assim ter esgotado a minha cota anual de presenças em grandes confusões,  era ao festival do Sudoeste que iria.

 Dizem que esta menina lá vai estar.

Nneka na Zambujeira do Mar?

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publicado às 00:30


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