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Não olhes para o céu. Os cravos rasgam-te as palmas das mãos
e o peito dos pés. A tiara de sangue solta lágrimas da cor do vinho.
Todos Te abandonaram. O firmamento de cobalto
abafa o choro das mulheres que abraçam
a base do madeiro que Te dá forma
e será o Teu merchandising daqui para a frente.
Nem pai, nem mãe! Que pai que é deus não é pai
de ninguém e mãe virgem nunca ninguém teve.
A tristeza invade-Te por todos os poros enquanto Jerusalém dorme
sem escrúpulos e os romanos bebem nas tabernas sórdidas da cidade velha.
No alto dos altos tudo observas e tudo vês. Tudo entendes
e entendes que estás só. As vozes dolentes que chegam
até Ti nada Te dizem sobre a dor dos outros
e os Teus amigos misturam-se na noite
e são tão estranhos como estes dois ladrões
que dormem nas cruzes que sangram. Nenhum sabe
o que trará a morte e qual será o primeiro
a abraçar as trevas do esquecimento.
As mulheres conversam sem propósito algum.
O seu sussurro não chega para surpreender
os que esperam o fim da noite. Ninguém
se preocupa com as excentricidades dos que desistem.
Daqueles que sabem, e nunca o disseram, que o fim não representa
o princípio do que foi iniciado, representa só, e isso está por provar,
o apodrecimento do que fora ilusão e meio sem linguagem
que se transmitisse para lá do fim. Da negritude que absorve
a luz primordial. A luz que tudo modela e ilude, e tudo
salienta, que mente com a potência de acreditar na verdade.
A crença no devir iluminado e circular que não tem fim.
O líquido que se esvai das feridas escarlates pinga
na rocha salpicando as resistentes que esperam a Tua
descida da cruz. A vitória sobre os mentirosos que fingiram
acreditar nas Tuas profecias. Nos milagres oferecidos
para acreditarem nas tuas palavras. Nas decisões impulsivas
e sem sentido da Tua caminhada. Para quê ressuscitar
quem já tinha sido colhido pelas leis da vida? Para morrer duas vezes?
Ou somente para Te elevares acima dos outros? Agora, que o tempo escasseia
ante a podridão da carne e a deposição dos teus pensamentos
nas mentes que os irão aspergir no futuro, ainda poderás
falar com os únicos que nada te pediram. Nem cobraram.
Que nunca Te mentiram fingindo que eras a Salvação.
Aqueles que Te insultaram à passagem. Te cuspiram
olhando-Te nos olhos. Vês como a noite se põe
como acontece a cada final dos dias e não há trovões
para celebrar a Tua morte, com disseram que houve quando
suspiraste pela derradeira vez. Fingiram!, como se tudo não
fosse uma imensa dramatização previamente encenada, acreditar
nos Teus devaneios imprudente e miseráveis. Nesse mundo mágico
e oco que se foi instalando na velha Palestina e nas terras dos cereais
e das velhas religiões da Mesopotâmia. E, como se não estivessem
satisfeitos com a grande ilusão de Te ter criado e inventado,
e de Te ter disputado como carcaça aurífera, escreveram
o mais belo e mais inautêntico livro que a criação humana poderia
ter escrito. E a mentira medrou como erva daninha em campo
estrumado e húmido. Cresceu e multiplicou-se levando a palavra de um deus
estúpido e irascível que, reafirmaram mais de mil vezes, era Teu pai.
Como se um pai pudesse deixar morrer um filho condenado
por ter espalhado as suas ideias insanas. Mais bem tratado, dizem,
foi o da sarça ardente, o recetor das tábuas que tudo iniciaram.
Secou mares para o salvar dos faraós. E a Ti nem um gesto.
Uma palavra. Sangras até que a alma Te abandone e o corpo seja
atirado para debaixo do lajedo definitivo. Ainda dirão, sem vergonha alguma,
ou remorsos sequer, que ressuscitaste, que foi o pai que não tiveste a levantar a pedra
e a tornar-Te leve com a um anjo para subires até ele. As intrujices nunca irão acabar.
A Tua vida não foi em vão como não é vã nenhuma vida. O vazio que deixa uma vida
jamais será preenchido por outra. Esse espaço sagrado, milagroso e autêntico,
irá ser ocupado pela música que todos os teus caminhos, os teus passos errantes,
deixam enquanto são percorridos ao sabor do acaso e da inimputabilidade.
Ninguém é responsável pelo que está inscrito na genética que não nos deixa
voar, que impede que um homem possa ser o leitor do seu próprio livro,
criador da estrada que o levará aos pântanos venenosos geradores das miragens
libertadoras do bem e do mal. Desse madeiro de cedro da Fenícia inspiras
os perfumes das gramíneas de Jerusalém. Embriagado na dor, e no vazio alucinante
dos sonhos, proferes palavras incompreensíveis e loucas. As Tuas últimas
palavras. Talvez as únicas verdadeiras que atiras no devir que as transporta.
Os Teus companheiros já não te acompanham e quando perdoas
Aos que Te condenaram e aqui te dependuram. Só já podes reparar
no ondular dos lábios das mulheres que Te acompanham.
Cativa – 3/4/2021
Porque ontem foi o dia da poesia:
Estilhaços
Depois dos românticos, a melancolia é a alma da poesia...
No princípio, era o desejo. Só o desejo.
Na terra dos antepassados que nos pré-existem e que nos sucederão, onde o princípio e o fim, o nascimento e a morte, fecham o ciclo da cultura, apresentaremos o brutal teatro que nos envolve a vida.
A peregrinação é um processo de envolvimento no vazio.
Não acreditem. Foi só uma mudança de pele. Agora, a nossa própria pele.
Quanto mais te aproximas de ti maior é a revolução que se estende para lá de ti.
Antes do recolhimento, o fogo...
A amizade engrandece...
Strange days: já se comem nêsperas em Fevereiro e as gaivotas pairam há um mês nos ares da quinta.
Trabalhar para nada, a mais bela das ocupações...
cada um sofreu à sua maneira, da mesma maneira.
A felicidade é o que temos antes de termos,
Ainda agora os pássaros me seguiam atrás do trator, debicando minhocas e outros entes que habitam nas entranhas da terra...
Quando algo acontece mesmo no fim, então a felicidade dura mais tempo...
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