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espuma evanescente

por vítor, em 20.07.11

 

Quando não falam em ti, apodreces.

Os dias passam e ocultas-te

Na pequenez da solidão que ensombra

As palavras indiferentes.

A quem interessa a estrofe sem leitor,

A porta escancarada na parede esburacada?

Lembra-te do tempo sussurrado,

Indiferente, revolvendo a terra húmida

Onde latejam vermes inconfundíveis

Que fecundam as trevas. Ninguém 

 navega sem conseguir entender as correntes

Que conduzem o devir. Ninguém se

Desconstrói quando o corpo resvala

Na ladeira que se ergue ante ti.

As ladeiras só existem na tua

Cabeça e o que procuras não está

Do outro lado da vida. Está aqui,

Junto às tuas mãos!

A outra margem só existe na penumbra

Do crepúsculo e mesmo assim

 Só a acedes enquanto espuma

Evanescente. Espuma que encanta

Os que nunca se encontraram mesmo

Quando habitam vontades semelhantes

E percorrem veredas paralelas. Quando

Os olhares divergem do que realizas e és,

Da esteira difusa que cobre o passado

A que não podes voltar, reages

Como se a dor fosse uma impossibilidade

De regresso aos campos de restolho onde

O sexo convoca a inocência nas contendas

Do susto e do medo.

A ausência transforma-se num colapso de desejo,

Numa inusitada falência da vontade em

Penetrar o silêncio da realidade sarcástica.

O significado do ato envolve o que rejeita

A perplexidade, apodrece no tempo,

Na perdição que naufraga na escuridão e

Responde ao ego ausente.

Debaixo das nuvens moram os que não sabem saltar

Ao eixo nas noites eternas.

 

MG 14/06/2011

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publicado às 14:56

rumores antigos

por vítor, em 28.03.11

o ardor que penetra os rumores antigos

inverte o sono das insuportáveis

feridas inscritas no périplo das novas recusas.

Não é uma semente sisuda a desabrochar da morte

que poderá silenciar o apelo das noites pretéritas,

da inerte sofreguidão das pálpebras sulcando

o chão coberto de lágrimas circunstanciais.

 

da responsabilidade que transpira o incómodo

de interpretar a sabedoria que jaz nos corpos

estranhos jorram palavras desistentes,

riscam a penumbra onde os amigos ocupam

o vazio que desoculta a página revelada

no antes impossível, no erro inesperado

que funde as partículas, no fetiche do fim

que dissolve a neblina pintada no cenário

cru da linguagem abjeta. é uma anunciação

reiniciada (toda a linguagem é abjeta) quando

a iniquidade do esquecimento aponta a dor

ao cerne da nostalgia. Cativa os que não entendem

o verdadeiro fingimento que a decadência arrasta,

o fingimento tenebroso que acarreta o medo

que implode nos subterrâneos do diálogo murmurado.

 

de volta ao lugar de onde saíram os vibrantes

desejos de renunciar ao todo e apascentar

gaivotas na ilusão da parede obstinada.

de volta ao fim que inunda o silêncio

e interrompe o ruído das cicatrizes envoltas

em pó petrificado nos esconsos sótãos do sonho.

 

a fuga é um ardor que deslumbra a impotência

dos convertidos à ilusão ruminante das portas.

 

MG 28/03/2011

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publicado às 15:33

Farejando Notícia

por vítor, em 11.01.10
Mexeu-se outra vez e as costas estalaram. A polícia já não é incompetente como dantes.

Lembrava-se de tudo como se presenciasse a cena: à direita um actor de cinema com os olhos em bico do leite de coco com aguardente de cana. O crepitar da fogueira enchia a sala de recordações tristes. Embevecida no fogo estava ela. Porque fora ele meter-se naquele covil de lobos sem unhas?

Bebeu mais um copo. A cabeça recusava-se a pensar nas responsabilidades do dia a dia. Bebeu outro, de um trago só. Maldita cocaína, ouviu a consciência com voz grave de pai dos anos trinta.

-         Por favor, eu tenho um sapato calçado nos pés dela, rugiu à multidão apinhada no bar-semi-escuro.
-         Não ouvem, pensou sorridente.

Lendo uma revista pornográfica, desta vez à esquerda, estava um cavalheiro distinto mas sem gravata. Ela sorria avermelhadamente com a calma de quem jogava. Roleta russa.

Sentia desejos de ir com aquela mulher para a cama. Sim. Ela até era bonita e olhava para ele com uma expressão de talvez...
Mas que confusão lhe atravessava o espírito/ficção banal. Ela era uma visão sem compromissos e até sorria.

Agora era o malvado joelho que teimava em não funcionar. Nem a perna conseguia cruzar. Que pontapé, essa gente devia era ser jogadora de futebol.

Na poltrona do meio dormitava um velho jornalista corroído por notícias de todo o mundo. Tinha sido, até, correspondente na Polinésia.

Que homem viajado, pensou.

Ela chegara-se mais ao fogo como se precisasse de mais calor. Era a sua, dele, hora. Pé ante pé, chegou-se à lareira e, com a tenaz, retirou uma brasa do braseiro. Acendeu o cigarro à americana. Soprou o fumo, primeiro pelas narinas e depois através dos dentes.

-         Magnífica casa, meteu-se, nesta ocasiões transbordo de amor.

Sentiu-se alarmado com as palavras que deixara escapar. O jornalista farejou notícia. O cavalheiro distinto sem gravata ousou mesmo esboçar uma retirada discreta, sem o conseguir. Pela porta dos fundos apareceu quem se esperava: o polícia secreto do governo sombra.

Sem conseguir reagir ao desencadear dos acontecimentos, e com dores acentuadas nas costelas, deixou-se prender por ele e... por ela.

 O actor de cinema, com os olhos em bico, saiu de cena pela porta baixa sorrindo ligeiramente.

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publicado às 23:21

a ignorância precede o desejo

por vítor, em 26.11.09

 

Quando a jovem entrou no café, o indivíduo-sem-qualquer-referência engoliu o café num trago. Caíu-lhe nas vísceras aos trambolhões e fê-lo soltar um pequeno arrôto. Ruboresceu com o facto.

A Jovem tinha umas mamas alto lá e uns lábios grisalhos como o dia.

Era Outono e não chovera ainda. O pó dos meses acumulava-se nos passeios e assinalava os pés descalços da recém entrada.

Quando encostou as referidas glândulas mamárias ao balcão, o educado cavalheiro, aproveitando a ausência inexplicável do empregado, não se conteve. Deixe-me ter a honra de servi-la. O que deseja? Chupe-me os seios, disse ela sorrindo sem maldade.. Mas, balbuciou o prestável senhor,  não sei se este estabelecimento comercial tem licença para tal prestação de serviço.

Então a sua ignorância transcende o meu desejo, questionou a apetitosa moçoila.

O tempo, que estava quente, pareceu arrefecer um pouco e um vento acre e silencioso entrou de mansinho pelas janelas entreabertas do café.

A ignorância das pessoas precede sempre a fragrância dos desejos. Assim sendo, o seu pedido é um serviço que prestarei sem remorso. Venham de lá essas mamas.

Nesse entretanto, o empregado entrou de mansinho na penumbra esotérica da volúpia e esperou desinteressado a finalização da delicada prestação. Afinal o estabelecimento tinha competência - e licença -, para mamadas e o incumpridor assalariado ficara comovido com o voluntarismo do cliente, que o tinha substituído numa falta sem explicação.

Serviço terminado, com satisfaçao de todas as partes, comemoraram, os três, com aguardente de figo.

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publicado às 17:36


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