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Durante a minha longa vida conheci diversas pessoas que exerciam a actividade de curandeiros, embora tendo outra profissão principal.
Os “endireitas” e os “emplastradores” eram sempre homens.
As “curas” do aflito, do quebranto, do mau olhado, o exorcismo de espíritos maus e as sortes de cartas eram geralmente feitas por mulheres.
Na minha opinião os curandeiros que conheci não curavam os males do corpo nem do espírito, pois tinham poucos conhecimentos para isso.
Contudo, acredito que muitos dos doentes, que a eles recorriam, sentissem melhoras com os seus tratamentos, rezas e conselhos por sugestão e devido à fé que depositavam nas virtudes do “curador”.
De todos os curandeiros que conheci houve um que atingiu grande destaque, pela grande quantidade de doentes que curou.
Chamava-se Sebastião Ricardo e viveu no sítio da Venda Nova, Vila Nova de Cacela, entre cerca de 1890 e 1940.
Em criança aprendeu a ler e a escrever e depois foi aprender a profissão de barbeiro.
Nesses tempos alguns barbeiros faziam biscates de “medicina”, tiravam dentes, faziam sangrias e pouco mais.
Desses tempos ficou o ditado, “Quem lhe dói o dente é que cata o barbeiro”.
As sangrias baseavam-se na crença existente na época, de que o sangue na sua circulação durante muito tempo criava impurezas. Por esse motivo muita gente procurava os barbeiros, geralmente na Primavera, para serem sangrados. Estes faziam uma pequena incisão numa veia do pulso donde extraíam uma certa porção de sangue.
Assim o organismo produzia sangue novo e puro que iria melhorar a qualidade de todo o sangue em circulação.
Sebastião Ricardo aprendeu o ofício de barbeiro e também a praticar a “medicina” dos barbeiros da altura; com os anos foi alargando os seus conhecimentos e a sua actividade de curandeiro.
Quando já tinha muitos doentes para tratar, passou a dedicar-se exclusivamente à “medicina”.
Atendia alguns doentes em sua casa e visitava outros nos seus domicílios, tanto na freguesia de Cacela, como na freguesia de Conceição, do concelho de Tavira, e também em parte do concelho de Castro Marim, deslocando-se para o efeito numa mula que possuía.
Sebastião Ricardo tratava de doenças relativamente simples como abcessos, afitos, cólicas, constipações, chagas, diarreias, eczemas, enxaquecas, enterites, erisipelas, fraquezas, flatos, furúnculos, humores, hemorragias nasais, icterícias, inflamações, panarícios, picadas de insectos, papeiras, queimaduras, quebrantos, sezões, sarnas, terçolhos, tinha e ataques de vermes intestinais, como ténias e lombrigas. Para outras doenças mais complicadas ele recomendava o recurso aos médicos da medicina convencional, que nesse tempo eram poucos.
Aos seus doentes aplicava clisteres, cataplasmas, compressas, fricções, emplastros, ligaduras, inalações de vapor, sangrias, sanguessugas, suadoros, ventosas, etc.
Como remédios usava alhos, vinagre, água salgada, álcool, cerveja preta, caldos de galinha, mostarda, papas de linhaça, vaselina, óleo de fígado de bacalhau, tintura de iodo, pó de talco, xaropes, unguentos, tónicos, purgantes, pomadas, e chás de tília, de flor de laranjeira, de erva Luísa, de salva, de malvas, etc.
Com a sua medicina alternativa ganhou fama, e os seus doentes tinham grande confiança no seu saber e na maneira delicada com que os tratava.
A sua morte, com cerca de 50 anos, foi muito sentida por todos os que o conheceram e ficou na memória do povo durante muitos anos.
Em "Memórias Escritas" de Fernando Gil Cardeira
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