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Só nos faltava esta: uma ministra da Cultura para quem divertir-se com o sofrimento e morte de animais é... cultura. Anote-se o seu nome, porque ele ficará nos anais das costas largas que a "cultura" tinha no século XXI em Portugal: Gabriela Canavilhas. É esse o nome que assina o ominoso despacho publicado ontem no DR criando uma "Secção de Tauromaquia" no Conselho Nacional de Cultura. Ninguém se espante se, a seguir, vier uma "Secção de Lutas de Cães" ou mesmo, quem sabe?, uma de "Mutilação Genital Feminina", outras respeitáveis tradições culturais que, como a tauromaquia, há que "dignificar".
O património arquitectónico cai aos bocados? A ministra foi ali ao lado "dignificar" as touradas. O património arqueológico degrada-se? Chove nos museus, não há pessoal, visitantes ainda menos? O teatro, o cinema, a dança, morrem à míngua? Os jovens não lêem? As artes estiolam? A ministra foi aos touros e grita "olés" e pede orelhas e sangue no Campo Pequeno. Diz-se que Canavilhas toca piano. Provavelmente também fala Francês. E houve quem tenha julgado que isso basta para se ser ministro da Cultura...
Hoje apetece-me sair de meia branca, camisa aberta mostrando os pelos do peito e lamber a faca ao jantar. Depois de uma semana de imersão cultural, quatro dias seguidos de noitadas artísticas, fiquei cansado. Cansado de artistas.
A censura está em toda a parte. As estratégias de captura do ascensor social, subtis e indeléveis, impregnam toda a esponja tribal.É uma tortura silenciosa que arrasa os mais frágeis, os que não têm resposta a esta violência opressora que consome a energia do outro enquanto outro.
Os ritos desconstrutivos são tanto mais eficazes quanto mais forem apontados à hipocrisia dominante. A liberdade é um espaço sem escala cultural. O veículo que nos transporta ondula nas descontinuidades mentais dos que a amam e respeitam. Os que leva sempre traz.
Regressado ao ermitério da Cativa, descansarei até não mais...
A noite caiu cálida e serena. A casa do Rui encheu-se de gentes que não se rende. Gente vinda de outro mundo que caminha para outro mundo, enquanto agita este mundo. As noites destas gentes rasgam caminhos sinuosos que traçam riscos de solidão nas vidas incompletas. Nada pode prever os ziguezagues apocalípticos, as longas rectas sem destino. As palavras são cruéis e imprevisíveis, mutilam e abrem brechas nas crostas ideológicas da multidão. Vergastam a pele dos que sentimos mais próximos. As mudanças indispõem os organismos e são a força vital da sobrevivência. A mudança é a vida e predispõe a morte.
Na noite cálida que lavrou o tempo, o cálice ergueu-se pingando o vinho e tilintou nas esperanças da recusa de eternidade. A velhice saiu à rua e gritou aos ouvintes incrédulos a impossibilidade de regressar a casa. À casa dos teus avós. À genealógica euforia do devir. O mar entranhou-se, sem estranhezas, na confusão dos espíritos perplexos e aspergiu gritos de aflição na vizinhança amortalhada: a reacção foi desproporcionada à acção. Gente, que ninguém soube de onde vinha, envolveu-se na contenda do cálice e das palavras. Abafaram-se ideias de lucidez feroz. Louca. Os amigos enervam-se quando nascem profetas fora de prazo. Profetas que conhecem os meandros das consciências estagnadas. Das consciências marcadas pela violação dos direitos adquiridos no super mercado da sabedoria empacotada.
A casa do Rui flutua na noite. Enquanto os argonautas se digladiam na planície repleta de sombras, o anfitrião serve pérolas em cascabulhos roubados à lama escabrosa das almas inquietas.
As calmarias surgem na madrugada quando a conversa se concentra num chão pejado de alfarrobas.
(PS: Não ligar à conversa mole deste vosso criado. As noites-da-casa-do-rui são monumentos rituais celebrados em honra de Baco)
(PS1:Este texto, que saiu de rompante à velha maneira surrealista, é dedicado ao Adão que tudo filma, compõe e edita e que nunca aparece)
Valdir "Bugiganga" regressa ao distante Paraná. "Pé-Vermelho", volta às terras vermelhas de Londrina.
Depois de alguns meses no Algarve e no Alentejo onde frequentou formação teatral, foi actor, encenou uma obra sua e animou tertúlias e encontros de poetas, deixa o nosso país que foi pequeno demais para o acolher. Os horizontes sem fim do Paraná falaram mais alto... Com o seu coração do tamanho do mundo, deixou nos muitos amigos feitos em tão curta estadia uma saudade que fará para sempre a ponte entre as duas margens do Atlântico.
No palacete semi arruinado de Bela Mandil (perto de Olhão) a noite foi longa e bem regada. Valdir declamou e "voltou" aos seus tempos de menino e moço encantando com as suas aventuras nas terras vermelhas de Londrina. Aventuras de pobreza, alegria de viver e desenrascanço incompreensíveis para europeus aburguesados, mas absorvidas com emoção incontrolada e lacrimejante. Porque será a miséria e a atroz luta pela sobrevivência quotidiana tão bela e magnética?
Outro momento alto da noite foi a apresentação de um longo travelling de telemóvel feito pelo inenarrável Lucas, no bairro da Barreta em Olhão. Uma viagem de bicicleta pelas apertadas e sinuosas ruas da cidade das açoteias. Uma obra única e de arrepiar.
Como tinha ido de carro de Tavira para Olhão não pude acompanhar a embalagem dos vapores etílicos que se estendeu pela madrugada dentro. Retirei-me pelas duas da manhâ, perdendo, com certeza, o melhor da noite. Tive ainda tempo de registar no telemóvel duas ou três fotografias de péssima qualidade que vos vou deixar.
Valdir "Bugiganga", o Pé Vermelho de Londrina...
Fernando Esteves Pinto, romancista, poeta e meu sócio na editora 4 águas...
Rocha, o performer e animador de tertúlias no Café Aliança e no seu Marafado, na Rua do Crime...
José Bivar, o anfitrião. Descendente de El Cid, o Campeador, monárquico, neo-ruralista, artista plástico, criador da famosa Bienal de Faro e o homem que inventou a Rua do Crime e a sua primeira e mítica âncora: os Lábios Nus...
Nunca é demais referir a presença do grande Lucas e também do artista plástico e blogger Adão Contreiras, que registou tudo em video, entre outros e outras.
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