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Dizes sempre alguma coisa antes de contemplarmos o sorriso
da chuva a lamber a vidraça. O cabelo envolve
as palavras frias das pessoas sem ritmo musical
continuando a viajar na lucidez das ausências nunca anunciadas.
Dizes o que não traz nome, chave postiça que viola a explicação
simples na revelação da leitura impune, quando
interiorizas o eterno guião da mudança.
A tua responsabilidade no crescer do esquecimento
assume-se como rejeição do tempo intransponível. Somos
aquilo que o olhar procura, aquilo que desaparece na mecânica
do desejo acomodado.
Rejeitas o que dizes antes de o dizer, exiges a rara leitura
da distância, o sopro do discurso que éramos na
ocasional confusão dos corpos enlutados.
Nenhuma agressividade se liberta do que dizes
na acomodação do desejo, na rigidez dos significados
das palavras murmuradas que nos explicam a legitimidade
da insensível brusquidão da loucura.
Podemos dizer, sem exprimir a acomodação dos sentidos,
a irrecusável notícia do mensageiro apocalíptico que nos
surpreende enquanto paradoxo reunido à mesa
dos esqueletos brumosos da comunidade.
O sorriso da chuva é uma ameaça à necessidade
exasperante dos sinais exteriores de melancolia.
Dizes e não ouves.
(Monte Gordo – 23/11/10)
Apesar da chuva cair sem parar há três meses, o meu Sol continua a brilhar e a iluminar os nossos dias.
Olho atrás da janela. Lá fora o frio e a chuva instalam-se sem pressas. ao fundo talvez o mar.
Agora sim, compreendo o mundo. Se me envolvo; sou cúmplice. Mesmo contra. Se não me arregaço e não avanço; pago cara a ousadia. O mundo cai sobre mim elefantino e cego. Na sobrevivência dos dias, sou sugado para o conforto da sociedade. "O conforto da certezas", como dizia o outro.
O big-brother baralha-se perante transeuntes sem telemóvel. Sem cartão de crédito. Sem escolhas binárias. Se não és, não existes. Se és... também não existes. A parte não pode aspirar ao todo. A paixão é única e não admite a dúvida. Não escolhes, nunca desejarás a alegria sem fumo do elemento. Numa estrutura elementar existes como partícula, como tijolo na parede. E és útil. Eficaz como a serradura das mentes saltimbancas.
Ser ou não ser, a eterna incoerência da solidão. Ser e não ser, a incógnita inaceitável dos iluminados. Iluminados pela essência da vida, sem objectivos e sem valores. Contra os insaciáveis intelectuais à babuja dos sistemas. Seres em órbita do senhor seu centro e razão de persistir. Dos risos apocalípticos, da genoflexão neuronal.
A publicidade das ideias releva a ignorância sensível dos deserdados. A estrada que se estende pelo amplo ardor do desconhecido, rasgando-o, violando-o sem sofreguidão, estabelece o eixo oblíquo da loucura enquanto certidão da plenitude dos tempos.
Por entre as velhas redes institucionais, nos interstícios ocos da risível gregaridade, viajam marginais do pensamento. Viajam sem danificar os ancestrais pilares da moral. Navegando na cabotagem, cruzando as marcas do mundo conhecido como forma de nunca esquecer os entes queridos. Cavalgando as memórias selvagens da História como forma de espalhar o sexo no futuro.
Alguns rastejam em condições humilhantes, até ao assombroso covil das vacas gordas. A lascívia do poder penetra-lhes a pele luzidia e arrasta-os na eterna luxúria do conhecimento. Afinal a base de tudo: do maniquismo brutal que nos oprime, da sensação irresistível de ser livre, da doce carícia da virtude.
Congratulo-me com a inércia dos antepassados que pairam no silêncio das vozes marginais. A marginalidade de hoje foi o centro de antanho, ao contrário do que pensam os cientistas sociais. A solidão estabelece o caos na modorra dos passos que seguem o inexplicável movimento das sombras.
Olho atrás da janela. Lá fora a chuva e o frio gritam sem cessar.
Amanhã, sem pressas, irei comprar um telemóvel.
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