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Anselm Kiefer*
A cavalo do impossível cheguei de longe. Era Sábado à tarde já tarde e bebi uma cerveja na tasca da esquina. Livrei-me de conhecer os cigarros já moribundos nos cinzeiros e passei à sobremesa sem grandes pressas.
- Outra cerveja, arrotei, das de exportação.
O homem do fundo levantou-se e saiu aos trambolhões pela janela.
*
Meu Deus.
Parecia que levava os bolsos cheios de lágrimas derramadas ao acaso. Já na rua retomou a compostura e rastejou assoviando às pedras da calçada.
*
Onde mora o encantador de serpentes, perguntei à empregada enfrascada em cebola. Respondeu evasivamente e colocou-se à minha disposição na posição habitual. A quatro é sempre difícil, pensei desabotoando a braguilha. No entanto, para começar não está mal. Fiz o serviço e saí pela janela.
O Sol punha-se atrás do bosque envenenado. As flores do soalho da rua empoeirada exalavam um cheiro acre a bife de vitela mal passado. Eram trinta luas para o fim da exposição final que começava a parecer um cravo espetado nos pulmões da aldeia. Afinal o encantador de serpentes morava no largo fronteiro ao cemitério, já na linha que separava a aldeia do bosque envenenado. Transpus a linha de um salto, que me pareceu mortal mas que afinal foi banal, e bati na janela da casa-sem-convicção. Ninguém, veio à porta. Achei-o meio desfigurado, por entre a amálgama de entes castrados que lhe espreitavam atrás dos braços e das pernas. Vinha um mau hálito, a sardinha crua, da sala do fundo que mais tarde vim a saber era o parlamento do país aos fins-de-semana.
Ninguém apresentou-se, pontapeando os políticos (?) castrados para o parlamento.
*
Sabe, começou.
*
Sei muito bem, interrompi, eu também bebo ao Sábado tardoite.
*
Então vamos ao que interessa, sorriu cúmplice.
*
Então vamos ao que interessa, supliquei.
Entrámos na cochia onde dormia uma serpente quadrada com bigodes de cartão amarelecido. Logo de entrada verifiquei que estava perto do fim da sessão da tarde e que a película estava toda corrompida por sábios estranhos aos desígnios da Pátria.
Ninguém depositou a chave do pensamento nas minhas mãos, coloridas de espanto. Então murmurou sem abrir a boca:
*
Vai.
A cavalo do impossível retirei-me para longe.
Curiosidade feliz: Anselm kiefer, um dos meus artistas plásticos favoritos (e um dia destes falarei mais sobre esta minha fixação) vai instalar na zona da Comporta (costa alentejana) um projecto que liga arte e natureza. Como conheço bem esta região, graças a um grande amigo que aqui passa religiosamente férias de Verão e visito (não tão religiosamente como ele quereria), aguardo ansiosamente o desenrolar do projecto.
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