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Primeiro ato neste início de ano diluviano.O caminho faz-se caminhando e em janeiro os pés far-se-ão desenhar nas lamas fecundas do restolho agonizante. A vida irrompe onde a morte alimentou os campos de ausência e asperidade. Os dias de março virão e batizaremos a terra de luz e cor. Siga a ação que comando eu. A continuidade é uma mal dita palavra nas noites que introduzem a perenidade das coisas. Das coisas que precedem o silêncio.
Alguns ficaram para trás
o caminho tinha buracos e sabiam-no
abismos laterais
e não os temeram.
Uns soçobraram nos primeiros palmos da curta jornada
atarantados pelo súbito levantar dos cabelos.
Os que presenciaram a aspiração das almas,
caíram um pouco com eles, mas continuaram a trilhar
a poeira dos atalhos.
As linhas que conduzem os gritos
levam-me a terras estranhas
onde os moradores enlatam sonhos
que engolem os que não sabem esperar
pelas imposições agrestes da morte.
Em Marrakesh dormimos nas açoteias doridas
do barro tecido a kiff.
Em Amesterdão dormimos com as mulheres
que não sabiam podar laranjeiras.
Em Bordéus dormimos no átrio da estação de comboios
com lágrimas partilhadas por todos.
Quando acordámos, muitos tinham voltado atrás
o medo toldara-lhes o futuro
as suas mães cantavam nos mares originais.
Tapámos os ouvidos com cera
e os pés voltaram a rasgar as sendas desconhecidas
do acaso.
Para onde queres ser levado?
Pareceu-me ouvir
vindo da intolerância espiral
das atitudes ateológicas.
Nunca um amigo uivará na noite
sem que tudo pare
sem que o rastejar dos sentimentos
se esboroe na areia das engrenagens.
Depois do amor chegam aqueles que o amor contem
os que não deixarão de nos acompanhar
os que são a carne que restará da carne
que a terra nunca há-de aceitar.
A carga tornou-se pesada
e os pés afundaram-se nas águas rasgando o caminho,
impossibilitando a progressão de alguém na poeira lavrada.
Mesmo assim teimámos seguindo os mortos esquecidos
os sem rosto ecoando antanho nos labirintos.
És a espuma silenciosa que se alevanta na proa
revolvendo as correntes inadvertidas do tempo
o nevoeiro que oculta a insensata correria
dos deuses.
Os homens não são o que a natureza quis para si,
os frutos contêm os genes da podridão
que alimentam o que renasce da escuridão prenhe de sabedoria
Olhas, então, para trás.
Nada do que vês te é íntimo.
As pegadas cruzam-se em bebedeiras estéreis,
em estratagemas frágeis que ocultam a memória.
Voltar atrás será uma aventura tão rude
como seguir em frente.
És tu que tens que decidir
sou eu quem escolherá o destino.
Resolvemos recomeçar os trilhos invisíveis
que se estendem pela imensidão do deserto!
Quantos ainda nos acompanharão?
Quantos desistiram exaustos?
Quantos voltaram a pisar os mesmos pés que os pés calcaram?
Nada interessa.
O que fazemos hoje iniciará pensamentos
anacrónicos amanhã.
E tudo recomeça a partir do lodo inicial,
nos primórdios da caminhada.
Eis senão que alguns se adiantam
e se despenham na sofreguidão da jornada
no abismo que ampara e enternece.
Refulgem na noite e alcançam
as esculturas da libertação da morte.
Nada disso me interessa, nos interessa.
Fico só
eu e a imensidão dos nossos.
Ninguém é ele próprio
todos caminham à boleia de todos.
Só quando nos excluirmos da globalização da consciência
sairemos para sempre de deus.
O esquecimento varrerá as partículas que restam
e nada será tudo (como sempre foi)
A marcha que nos conforta a respiração deixará, então,
a podridão alimentar o retorno dos corpos.
(Este será o poema que encerrará o livro "Partículas" que com ele finda até ao fim dos dias)
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