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Hoje o dia pareceu-me enevoado

e a juventude foi-se-me sentar

entre as cãs e os longos silêncios dos peixes.

O meu filho disse-me, depois de uma ligeira

altercação, sem olhar o meu corpo

esparramado comodamente no sofá, tenho lá culpa

de teres atingido a andropausa. Amei e estive

3600.000 dias sem dizer uma palavra.

O banco onde depositava as minhas parcas

poupanças faliu. Fiz sexo com o candeeiro

da mesa-de-cabeceira que teimava

em não se acender quando pretendia ir mijar

pela calada da noite. Mil vezes. O prejuízo

 do meu banco foi de 3600.000 de euros –

bem maior que o meu, está claro

(pobres banqueiros) -, e eu acho que não escaparei

à  morte em 2040. O metano e o dióxido de carbono

farão o trabalhinho de forma absoluta sem

recurso à metafísica. O Tribunal Constitucional,

em que acreditava piamente, ditou

que o roubo aos pobres estava claramente

dentro da moldura penal consignada na lei

Suprema da nação. Quando os senhores doutores

juízes acordarem será tarde de mais. O fim da humanidade

em 2040 foi ontem. Vi, ainda agora, um homem beijar a pata de um cão.

O gesto, sincero, comoveu-me e o meu ventre estrebuchou

chamando a atenção da vizinhança que ruborizou levemente.

O antigo primeiro-ministro, o antes deste,

 foi acusado de corrupção no mês passado.

Defendeu-se dizendo que no mês passado já não era primeiro

nem nada na classificação dos entes candidatos a comprar

o Novo Banco. O que renasceu das cinzas do meu banco, entretanto falido.

Acabei de alcançar o nível 4 num jogo on-line e perdi o resto que tinha ganho

à  sueca com a rapariga do rés-do-chão direito. Era uma madrugada

clandestina a que me esperava. O nevoeiro escondia-a num poema

 de ideias controversas. A andropausa mental

 é muito mais perigosa do que a biologia. Toda a biologia.

Estando esta última por provar que aconteceu.

O maldito candeeiro da mesa-de-cabeceira tira-me

a  tesão toda: só se acende quando quer e eu a espumar

toda a noite. Sinto as articulações cansadas (tendinites?)

só de pensar em 2040. Tomo um chá de galafito com um

placebo qualquer para enganar a ansiedade e elejo a melhor praia da Europa:

Praia de Cabanas!, como nunca poderia deixar de ter sido.

Só por acaso estarei vivo em meados de 2040. Se não me engano andarei pelos…

            2040 – 1958 = 82   posso até assistir no you tube

à minha própria morte. Até, talvez, editá-la.

Desconfio mais da crueldade do metano do que na do dióxido de carbono.

O CO2 é-me muito chegado. Nada de científico, é uma intuição

Que me empurra mais para o metano. Cheira-me a Inferno.

O que pensará o Tribunal Constitucional do fim do mundo?

Poder-se-á considerar o fim do mundo inconstitucional? Até,

anticonstitucional? Nisso não acredito, o fim do mundo está para lá

das jurisdições humanas. Da moldura do Criador. O que só revela

da insanidade geral dos homens e da fraudulenta misericórdia de Deus

para com os banqueiros espeleólogos. É-me insuportável

assistir ao bailado das meretrizes míopes escaldando os pés

no palco de metal que a música consome.

Para entender a convergência da economia paralela,

e  mesmo, ou talvez, sobretudo, a  perpendicular, na direção dos paraísos fiscais

que pululam de Manila às Ilhas selvagens, da Micronésia de Malinowski

à  Macaronésia de Alberto João Jardim, dirigi-me

ao meu psiquiatra e estendi-me no divã

à espera das sombras que envolvem a luz intermitente

do meu candeeiro de mesa-de-cabeceira. Da redenção inicial.

Revelou-me que o meu sono estava desenhado segundo

os padrões internacionais aceites pela Internacional

Socialista e que o humor que transportava

no inconsciente podia muito bem ser fruto

de um resquício de festa de anos celebrada

em Chefchauen em 2004. O perigo, continuou,

seria sempre o de me calar sem antes rejeitar

a simpatia que me ligava ao FMI e esquecer

os dias passados a percorrer as sedes dos bancos suíços

a tentar abrir cofres com um canivete multiusos.

Poderia nem chegar a 2040 e atingir a eternidade antes

do tempo gravado na coronha da espingarda

do meu tetra avô que agora, por acaso, é minha.

Despedi-me atenciosamente e, retribuindo a simpatia,

o  clínico não me levou dinheiro pela consulta.

Parti dali em transe semi-induzido e as insónias

que o tempo adivinhava fizeram de mim

um zombie até aos dias preliminares a 2014.

O nevoeiro apoderou-se da tarde de verão

confessando aos turistas que o suicídio era um privilégio

de banqueiros. Quando a luz do candeeiro de mesa-de-cabeceira

inundou de luz o quarto, atravesso a andropausa e,

para sempre jovem, sento-me na cama à espera de 2040 a ler as aventuras

do cavaleiro da triste figura.

 

Cativa 31-07-2014 (anos do Guapo)

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