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Peixes de metal no meio da rua
É assim que os olhos determinam
O sonho arruinado envolto
Em profundas conversas inscritas
No palimpsesto do calendário volátil,
Determinam a divulgação que subsidia
E escancara as asas do desejo amaldiçoado
Avançando na página reescrita, esmagando
A autonomia das palavras finais.
O olhar estende-se pelo leito da memória,
Atinge os colapsos da energia brutal da arbitrariedade.
Nunca apareças na noite inacabada,
O que sabes resgata o futuro concedido,
O reconhecimento destinado a liquidar
O vazio que apodrece no silêncio.
Na calçada que se estende até às águas
Desfilam peixes de ferro fundido
Que pisas recuando à infância feliz,
Ao rumorejante eco das mãos pronunciando
O sorriso da noite. Da noite guardiã das falas
Fundacionais, da serenidade nauseabunda
Que te acorrenta os pés. É aí, na genealogia
Do medo, o território que te conduz os passos
Na irrepetível caminhada rompendo os tempos
Que te levam ao fim, à degradação inútil.
Libertas-te do manto moral que te aconchegou
Os dias e atravessas a luz que nunca
Ousaste ultrapassar, a fronteira que abre
As portas da violência falhada e orgulhosa.
E agora?, perguntas à insanidade que exala
Dos excrementos postos a nu pela ousadia
Empreendida. E agora?
Nunca há respostas quando penetras
Na solidez das águas, no ermitério que envolve
A enigmática escultura que desocultas
Da sociedade alienada e castradora,
Da multidão que se barrica, impedindo
A libertação das almas. Enfrentas o ódio
Que se ergue das entranhas públicas
Escarnecendo dos desperdícios libertados
Pelo consenso tribal e avanças como apóstolo
Do absurdo nas mordomias que a ti próprio impões.
O corpo cansado resiste ao sentido que desenhaste
No plano de fundo da tristeza. Resiste e apropria-se
Da vontade que contamina as leituras paradigmáticas.
Os peixes de metal guiam-te no caminho das águas.
VRSA 27/4/11
Eu sou a sombra do vento,
a silhueta das almas que penetram
a caverna onde repousas os dias
sem retorno. Eu renasço
nos teus lábios quando
a loucura se esconde no reflexo
do espelho acorrentado, renasço
para morrer em seguida no teu olhar.
Olhar que ampara a dor dos momentos
calados, inerte complexidade da rebeldia
projetada na parede turva do esquecimento.
Eu sou a morte que caminha
ao encontro dos sentimentos que se levantam
na planície instável, ao encontro
dos outros que emergem da noite
e espalham o medo na nostalgia dos incautos.
As tuas mãos afagam-me o cabelo sinuoso
e acalmam a podridão que escorre das pedras.
Só assim se compreende a inquietude das bocas
moribundas, escancaradas na exaustão
das fraturas reverberando o sexo encantatório.
Eu cubro a pele que me recebe pulsando
nas calmarias do pesadelo de sangue, espojo-me
no suor erótico das membranas latejantes
atingindo orgasmos irretletidos.
No barco em que navego ao encontro
das janelas da alma diviso o murmúrio
dos vagabundos que se aventuram
nos campos ébrios da batalha sem fim,
imprimo os passos que lavram os planos
divergentes da memória coletiva.
Eu sou a sombra do vento e ardo
nas tuas coxas voláteis.
Cativa 10/4/2011
o ardor que penetra os rumores antigos
inverte o sono das insuportáveis
feridas inscritas no périplo das novas recusas.
Não é uma semente sisuda a desabrochar da morte
que poderá silenciar o apelo das noites pretéritas,
da inerte sofreguidão das pálpebras sulcando
o chão coberto de lágrimas circunstanciais.
da responsabilidade que transpira o incómodo
de interpretar a sabedoria que jaz nos corpos
estranhos jorram palavras desistentes,
riscam a penumbra onde os amigos ocupam
o vazio que desoculta a página revelada
no antes impossível, no erro inesperado
que funde as partículas, no fetiche do fim
que dissolve a neblina pintada no cenário
cru da linguagem abjeta. é uma anunciação
reiniciada (toda a linguagem é abjeta) quando
a iniquidade do esquecimento aponta a dor
ao cerne da nostalgia. Cativa os que não entendem
o verdadeiro fingimento que a decadência arrasta,
o fingimento tenebroso que acarreta o medo
que implode nos subterrâneos do diálogo murmurado.
de volta ao lugar de onde saíram os vibrantes
desejos de renunciar ao todo e apascentar
gaivotas na ilusão da parede obstinada.
de volta ao fim que inunda o silêncio
e interrompe o ruído das cicatrizes envoltas
em pó petrificado nos esconsos sótãos do sonho.
a fuga é um ardor que deslumbra a impotência
dos convertidos à ilusão ruminante das portas.
MG 28/03/2011
Depois de ocupares o vazio com palavras, deveria a página dizer menos do que revelava antes.
ela sorriu transportando a paisagem
que reforça o intervalo entre o fim e o
princípio num lago de nudez abreviada
sorriu e chamou a pertença consagrada
nos limites, parceria indisponível transcrita
no lugar, dúvida importada, preconceito inicial.
O escuro manso dissolveu a responsabilidade
em escaramuças militantes, entendimentos da viagem
desvalorizada, última dissolvência impaciente
perdendo o consenso na distância coreográfica.
o sorriso da mulher que percorre o olhar
ingrato da única vitória dos abstencionistas
curiosos, maioria significando a aposta
nas flores, diz-nos da crueza do obstáculo,
da dor na noite recuperada da berma do caminho,
legitimidade do pesadelo indocumentado,
metade da dor marginal, sorriso do poder
que se eleva nas faenas do sexo consumidor
dos corpos raivosos e sectários,
discurso ressentido e parcial.
A atenção do outro não reflete o estado
de embriaguez vazia que conduz
a relativização da evidência, transformação do novo
interpretando a inocente figura que emana
do sorriso absoluto.
gere a desorientação responsável pelo ruído
da alma vestida de palhaço incompleto,
reduz o exemplo da hierofânica verdade dissoluta
no lodo evidente, sonsura dominante nas cicatrizes
do calor, da insânia sedimentada nos ritos
do calendário social que alguém parodiou
no equilíbrio sem paixão dos convertidos, explicação
corrosiva no pó que se eleva nos atalhos
petrificados da memória.
ela sabe como podar as ideias
que se desprendem do oculto sabor a derrota,
mutilar o chão onde navegamos à vista
e contendemos com os ossos que se erguem do tempo.
ela é um implante na paralisia do medo,
na arte de inventar placebos, paixão
na imensidão do caos.
sorri e não colhe. As manadas assentam
os cascos na viscosa película dos afectos.
MG 25/1/11
às vezes aparecem na cidade
figuras recortadas na paisagem brusca
retirando da luz a sombra que cresce
na calçada pardacenta
um homem senta-se numa cadeira
azul e o vento fustiga-lhe o rosto
(quantas vezes já o dissera) imaterial
são três horas na tarde e o crepúsculo
assoma-se por detrás da noite
uma mulher, que o sopro da ventania
não incomoda, observa o que as horas
aspergem no desassossego dos sentimentos
criptados, na voragem das palavras cruéis
atravessando a calmaria que a envolve
aproxima-se da cadeira azul enquanto
o relógio da torre açoita o ar diverso
debruça-se, suavemente, sobre a cadeira
e beija o cabelo revolto do homem sentado
o relógio repete a linguagem do tempo
três vezes na cidade engolida pela sombra
as árvores despem-se para enfrentar o frio
o beijo atira o homem até aos confins de si mesmo,
até onde a solidão desaparece e o mar morno
contorna o emergir das palavras
a mulher reergue-se do beijo
e desloca-se imparável para o fim da rua
onde a espera a eternidade
a noite cobriu de trevas a cidade
e o homem renasce na esplanada
de cadeiras azuis, bebendo cerveja
com figuras que convergem no
esquecimento da dor
o caminho divergente acontece
quando as rédeas do afecto
não resistem ao que materializa a solidão
contra a tempestade ergues a dor.
MG 20/12/2010
Anselm Kiefer
no primeiro despertar da sombra/ instalou-se um pesado silêncio/ nos socalcos da memória/ uma clara escritura invadindo/ os sedimentos frios do esquecimento.
todos os insetos da floresta/ sublinharam os nomes que fermentam/ no vazio do plural abstrato,/ a inveja necessária e vã apenas/ excetua os escaravelhos dormentes,/ companheiros dos aldeãos lilases,/ répteis no papel de ourives/ desenhando a filigrana da pele/ nas luzes copiadas e biformes./ é nesse momento que entram as máscaras/ retiradas da gaveta em flexões/ para assistir à partida das frases/ assassinas do covil dos ananases.
um homem comprou um jornal/ por um dólar e o capitão foi almoçar/ com o general. todos os nomes/ verdes e esquisitos almoçaram à parte/ na esteira que confundia a parcialidade/ do chão plural.
o capitão, órfão dos lilases incompletos,/ virou a folha do livro e o barril/ de pólvora iniciou a invenção que a mulher-aranha/ apresentou na noite confusa.
o general barrava o pão com chocolate/ todos os nomes e cada um deles/ desapareceram da frase registada/ na pele da tecedeira,/ tatuagem de bigode ornamentando a boca de vidro.
um moço e uma mulher saltaram o muro/ na ruela vazia para uma/
ilha fantástica na periferia do carnaval enquanto/ embrulham presentes em papel de fogo.
quando a personalidade do assassino/ foi desvendada todos, insetos, homens,/ mulheres e vegetais comungaram do/ ressentimento paradigmático...
não há perguntas difíceis, só convites/ exclusivos par dançar/ o silêncio da sombra.
Chegámos tarde e a noite avançou, o estatuto da noite não morava ali.
Quantas vezes tinhas empenhado as jóias que reverberam da cerveja bebida na tasca
depois da cerimónia da morte?
O objectivo era unificar a arte, a cultura e a terapia que sublinha
o rumorejar da ausência inerte.
A desesperança encontrava, na associação com os projetos de renovação,
direitos inapeláveis onde os gritos executam
a panóplia inacabada das competências esquecidas.
O morno escriturar da mitológica raiz na plenitude imprime a tatuagem larvar
do caminho interrompido , nudez do rosto avançando, que aquece
a ordem na arquitetura do sonho.
Quando chegámos, os rostos que sobressaem da espessa penumbra,
rejubilaram de alarvidade.
Dás-me contas da incompletude nas pegadas impressas de vida,
daqueles que perdem a utopia viável dos cataclismos confortáveis e nus.
Agarramo-nos à insuficiência dos presentes e arrancamos palavras soltas,
inimputáveis e corruptas. O sabor do ritual irrepetível é uma onda
de desejo que cumpre os critérios obtusos da multidão.
Os documentos são irreversíveis e envolvem vontades instaladas, revoluções
impraticáveis que renegam os pensamentos estultos e ressabiados,
emergentes da máscara desoculta na balbúrdia reflexa.
Os dias arrastam-se na envolvência das emoções inadiáveis, receita
da casa que não esquece os jogos arquitetados na distância da semente,
os dias são o que não entendes nos outros, as vidas que se cruzam
em múltiplas imagens no espelho paradoxal.
A maresia eleva-se dos espíritos que vagueiam no labirinto
catártico da poesia primordial. O elenco da putridão oblíqua
manifesta-se quando a lâmina penetra a frieza do olhar. É um desenvolvimento
esperado sem a aprovação dos que não dormem enquanto sonham
o desfilar das figuras fragmentadas pela luz.
Retiras a sensatez aos que desprezam o inútil esculpir da realidade
suspensa no pesadelo das sombras.
Chegámos e o jardim contemplou-nos sorrindo na placidez da tempestade.
(Tavira, 27/11/2010)
Dizes sempre alguma coisa antes de contemplarmos o sorriso
da chuva a lamber a vidraça. O cabelo envolve
as palavras frias das pessoas sem ritmo musical
continuando a viajar na lucidez das ausências nunca anunciadas.
Dizes o que não traz nome, chave postiça que viola a explicação
simples na revelação da leitura impune, quando
interiorizas o eterno guião da mudança.
A tua responsabilidade no crescer do esquecimento
assume-se como rejeição do tempo intransponível. Somos
aquilo que o olhar procura, aquilo que desaparece na mecânica
do desejo acomodado.
Rejeitas o que dizes antes de o dizer, exiges a rara leitura
da distância, o sopro do discurso que éramos na
ocasional confusão dos corpos enlutados.
Nenhuma agressividade se liberta do que dizes
na acomodação do desejo, na rigidez dos significados
das palavras murmuradas que nos explicam a legitimidade
da insensível brusquidão da loucura.
Podemos dizer, sem exprimir a acomodação dos sentidos,
a irrecusável notícia do mensageiro apocalíptico que nos
surpreende enquanto paradoxo reunido à mesa
dos esqueletos brumosos da comunidade.
O sorriso da chuva é uma ameaça à necessidade
exasperante dos sinais exteriores de melancolia.
Dizes e não ouves.
(Monte Gordo – 23/11/10)
À carne inimputável acrescento o pavor
que a poeira confunde nas respostas
assexuadas da dor.
Não respondo pela loucura que se liberta
do desejo intruso rastejando na pele inflamada e cruel
nas imagens que projeto no vento irascível
deriva que alberga e peia as máscaras reclusas.
O ruído ondula na praia, no mar que se recusa a controlar
a memória convulsa, reverberação carnal que inverte o desejo
e esmaga o conforto do regresso aos ditames
primordiais, inertes angustiados gemendo nos lábios cerrados
rompendo a humidade do sexo, garantindo a imputabilidade
do homem que acordou do sonho antigo
provocação da vida intermitente.
Partilho o projeto de segredo onde a nudez
da narrativa resgata a aura paralela do vazio
eterno da criação
frase de ontem ao encontro da noite, procura da pedra
emersa na pradaria apocalíptica
futuro próximo da visão armadilhada.
A carnificina a que me proponho assistir
arrastará as almas até ao êxodo final, descobertas, restarão
pasto dos abutres do espírito ensanguentado.
(Monte Gordo () 2/11/2010)
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