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Dormiu 22 anos numa gaveta. Batida numa velha máquina de escrever. Resolvi-me, finalmente. a passá-la para o computador. Noites à lareira a reviver o passado. Duplo passado: o destas terras do fim do mundo e o meu. Cá está o resultado em mais uma edição Cativa.
Velho antropólogo atravessando o Atlântico para estudar comunidades efémeras numa ilha exótica.
Enquanto o tempo se escoa lentamente ...
Entranhando-se no espírito do "campo" ( até a barriguinha é fruto de preparação prévia para a observação participante...).
O trabalho de campo é, por vezes, duro e solitário. No entanto...
... sem uma boa equipa de trabalho, coesa e competente, todo o esforço seria em vão...
" Eu venho de muito longe, eu venho de muito longe. Sempre à beirinha do mar, sempre à beirinha do mar...". Versos de uma conhecida música para entreter comunidades efémeras.
Dia 15 de Maio no Auditório do Campo Grande, Lisboa, pelas 19h
Apresentação: Rui Almeida
Leitura de poemas: Inês Ramos
Fui estudar Antropologia por causa de Claude Levi-Strauss. Ou melhor, por causa desse belo livro, Tristes Trópicos. Uma das obras maiores da literatura de todos os tempos. Um jovem que lê a descrição de um pôr-do Sol como a que escorre das palavras de Levi-Strauss, ainda no navio que o transporta ao Brasil, nunca mais será o mesmo. Se não tivesse lido Os Tristes Trópicos, teria continuado à procura dos meus caminhos, sobressaltado e espantado, mas... não seria a mesma coisa.
Num serão/tertúlia, já aqui descrito no Quinta, tive oportunidade de conhecer um poeta brasileiro de Londrina, o amigo Valdir - saravá Curitiba - , e voltar a percorrer as terras dos tristes trópicos. Mais tristes agora do que aquando da viagem de Strauss. Agora, na terra vermelha, germinam, qual feijão mágico, CBDs (Central Business District) da mata.
Ainda há pouco tempo Jean-Claude Carriére, para comemorar os cem anos do antropólogo-filósofo, propôs-se entrevistá-lo. Strauss recusou polidamente dizendo:"Não quero redizer o que disse melhor anteriormente". Lucidez absoluta num século de vida.
Obrigado Claude
1 - Um homem qualquer, num café qualquer, duma cidade qualquer, insurgia-se contra a falta de educação e a violência nas escolas. Portou mal, rua. Rua da aula. Continua a ser insolente, rua da escola. A Escola é para aprender e não para aturar quem não se sabe comportar. Não sabe aproveitar o que lhe é dado, fora.
2 - Noutro dia qualquer, aquele homem, naquele café, naquela cidade, insurgia-se contra a falta de segurança que varria o país. Roubos, tráfico de drogas e de carne humana. Assassinatos, violência doméstica, vandalismo suburbano.
3 - Este nosso homem, neste nosso café, nesta nossa cidade é cúmplice em 1 e conivente em 2.
4 - As escolas não podem reproduzir mecanicamente o social. Premiar quem vem já premiado. Punir quem já chega estigmatizado. De nada serve agir de forma violenta (mesmo que escudado na lei e na regra) sobre quem só conhece a violência. A Escola tem de encarar a agressividade natural de certas crianças e jovens (a brutal reprodução social é mais feroz entre os indigentes e os marginais) como um desafio. Um trabalho intensivo e desgastante, mas um desafio, diria eu, aliciante. Como um engenheiro prefere um projecto de ponte sobre um largo e caudaloso rio, a uma ponte sobre uma ribeira insignificante. Como um actor se sente realizado com Shakespeare , e se cansa de teatrinhos com bêbedos, paneleiros e cornudos ( a trilogia que tanto faz rir os portugueses e que faz o sucesso televisivo de Malucos do Riso e Prédios do Vasco). Como ler um bom livro é mais aliciante (embora exija mais empenho e trabalho) do que seguir uma telenovela do "horário nobre". Gerir tempestades é muito mais compensador que navegar em águas mansas.
5 - Excluir, o mais fácil, é desistir de alguém. É abandonar quem só tem a Escola como meio de se integrar. Quem só no seu seio pode aceder a "um mundo novo," um mundo de igualdade, liberdade e segurança. Parece mentira, face à transpiração da "sábia "opinião pública, mas é aqui, na Escola, que grande parte dos jovens estão protegidos da violência e das arbitrariedades do seu dia a dia. Atirá-los borda fora, para além de abandoná-los cobardemente, é condená-los à pobreza e à violência sem fim.
6 - Sem possibilidades de se integrar, uns limparão retretes ( continuarão a ser pobres e ignorantes) outros entrarão nas vidas das noites eternas. Vingar-se-ão dos integrados assustando-os e maltratando-os por gozo e, sem dinheiro e sem poder, entrarão no mundo do crime para aceder a carros de luxo, plasmas, telemóveis, poder na ponta da baioneta, mulheres, roupas fashion , e outros luxos dos ricos e remediados. O seu fim será sombrio: nos escuros calabouços ou na precoce morada eterna.
7 - Quando um aluno diz, sorrindo maliciosamente, ao seu professor "da Terra à Lua são 380 000 Klms , não são sr . professor?" O professor devia responder-lhe:"Não sei nem me interessa saber!.
Quando um aluno diz, sorrindo com desprezo, pra qué queu quero saber co Marquês de Pombal fez a cama ós Távoras?" O professor deve responder que o senhor era "mais mau" cos homens em cuecas do Wrestling e assim instigar o aluno a investigar tão interessante personalidade.
PS: post repetido mas muito a propósito...
O Adão regista tudo o que mexe na contra-cultura do sotavento e arredores. Lá esteve ele a filmar a apresentação do livro do meu sócio na 4 águas Fernando Esteves Pinto. Filmou, montou e divulgou.
No final da apresentação gerou-se uma conversa cruzada sobre o livro e o seu tema matricial: o sexo! Como não podia deixar de ser, a Antropologia também quis acrescentar alguma coisita sobre o assunto. Como sabem, os antropólogos são especialistas nestas obscuras áreas do comportamento humano. O de serviço àquela hora é que parecia estar ressacado. Ou será impressão minha?
Filmagem e montagem de Adão Contreiras:
Portugal é um país pequeno. Pequeno em área física. Hoje, e cada vez mais, Portugal confina-se à cidade de Lisboa. O resto do país só aparece pelo sórdido: uma ponte que cai em Entre-os-Rios, uma criança que desaparece no Algarve, um apito dourado no Porto, uma casa de regabofe pedófilo em Elvas.
Lisboa é uma cidade pequena. Todos se conhecem. Na cidade existem duas castas bem distintas. As elites, vivendo nos mesmos espaços e movendo-se nas mesmas "instalações" e os, digamos, "deserdados da sorte", vivendo nos arrabaldes da "não inscrição" e entorpecidos pelas novelas e concursos de televisão. Cada vez mais separados no espaço e no ser. Os condomínios fechados, para as elites culturais e políticas e os bairros difíceis (na verdade também fechados) para o lúmpen indiviso da multidão anónima.
Como ia dizendo, Lisboa é uma cidade pequena onde todos se conhecem. Todos os conhecidos como é óbvio porque os que não aparecem na tv não só não existem como ninguém os conhece. Sendo claro que hoje a existência não é, ela só, pressuposto de conhecimento. Ou seja, pode-se ser conhecido, e bem conhecido, sem nunca ter tido uma existência real. Basta pensar no Harry Potter ou no Sr(?) Klark Kent.
Como uma escola americana de Antropologia de meados do século XX, estudando pequenas comunidades rurais da Andaluzia, mostrou, onde os vizinhos todos pertencem a um “nós” coeso e próximo em interesses e objectivos, existe um patamar de realização para o “eu” que estes cientistas sociais entenderam apelidar de “limited good”. Se ultrapassas este tecto usaste certamente ferramentas ilícitas, do ponto de vista moral e real. Exemplifiquemos: se tens muito sucesso com mulheres, usaste filtros, pós, magias, chantagens misteriosas não correctos e inaceitáveis contrariando o livre arbítrio das conquistadas; se tens sucesso com o dinheiro, é porque traficas drogas e outros produtos afins; se falas muito e bem, só nada podes dizer. Os bens ao dispor da comunidade são finitos e o seu acesso nivelado por baixo. Se o nivelamento fosse por cima corria-se o risco da sua escassez.
Ora em Lisboa o “limited good” é imposto de forma implacável. Os ódios são mortais entre os portentosos contendores na escalada social. Utilizam-se as mais inimagináveis, criativas e mortíferas armas. Nos estreitos palcos da contenda os truques sujos são aplicados sem remorsos e de forma maquiavélica. Quando ouvimos, o que é frequente nos nossos dias, falar de cabalas, conjuras e ajustes de conta, não estamos a usar da metáfora como meio de expressão. Estamos a ouvir os relatos de uma luta intestina incessante e, muitas vezes, com um fim irreversível e dramático. A lama. A mais baixa das mais baixas castas. A lama moral de onde mais não se pode sair até ao fim dos tempos.
E, para não me alongar mais do que já estiquei neste modesto post, assim vai este lindo Portugal. Perdão esta “bem cheirosa” cidade de Lisboa.
(post repetido)
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