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Rui Dias Simão à conversa com Fernando Esteves Pinto
1 – O surrealismo dá-te muito trabalho?
R: Sobretudo à segunda-feira (sorriso)... A escrita é, em mim,
quando acontece, uma terapia lunissolar e estruturante; por
isso, uma atitude de trabalho inicialmente se não vislumbra
e evoca.
2 – A desestruturação mental é uma vantagem para um poeta se
sentir confortável num ambiente surreal?
R: Para já, antes pelo contrário... em boa hora, cada anzol,
cada peixe; em suma, é preciso estar muito estruturado
para saber finalmente desestruturar.
3 – Imagina que dividimos uma garrafa em três partes
(o fundo da garrafa, o corpo da garrafa e o gargalo),
as quais representam respectivamentetrês fases do dia
(a manhã, a tarde e a noite). Qual é a fase que te influência
mais no processo criativo?
R: Debaixo da Lua, sem (100) garrafas...
4 – Fala-me dos teus Animais da Cabeça.
R: É um livro que nasce de uns desenhos que fiz por volta
do ano 2000, os quais estiveram longamente pousados
sobre um sofá lá de casa, até que.
5 – O desenho e a pintura são o outro lado dos teus poemas.
Correspondem à clarificação mental do teu imaginário poético.
O que vês quando escreves poesia?
R: A mulher, a tal, nua, dentro dos translúcidos espelhos.
6 – Tens consciência de que a tua poesia marca uma atitude,
uma linguagem, que é no essencial a tua própria imagem e
comportamento perante a vida e os outros?
R: Tenho. Afinal, talvez não ...
7 – Que realidade entra nos teus poemas?
R: Neste livro ( os animais da cabeça), uma pseudo-realidade quase
fora de si mesma.
8 – Há um diálogo implícito nos teus poemas. Que diálogo é esse e
com quem?
R: Só pode ser com o eventual leitor e a literal surdez do mundo.
9 – O teu último livro “Os Animais da Cabeça” é, quanto a
mim, um breve tratado psico-filosófico sobre o género humano.
É na desconfiguração do quotidiano que investes a tua racionalidade?
R: Parece utópico, mas existe de quando em vez na minha escrita uma
certa irracionalidade a investir no quotidiano.
10 – Em quase todos os teus poemas verifica-se uma linha bem
definida de transição entre o sentimento pessimista da vida e o
sentimento cómico, risível da vida. Como te defines perante
a realidade?
R: Na totalidade dos contrários...
(Percebendo quase tudo adjacente
a Mário de Sá-Carneiro)
O animal doméstico engorda
a cada passo de esfregona
assexuado como um carrossel
na cabeça
um pequeníssimo sol
mal respira
por muito que aponte
não há céu provável
no horizonte
O animal doméstico
é um pequeno homem
O animal doméstico
sou eu
E eu sou eu e sou o outro...
(imaginai o que não teria para aguar
o benfazejo Bivar no dia seguinte
à demorada proliferação de poetas)
Durante a genética moralidade
por vezes
a portugalidade dói
Rui Dias Simão
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