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futebol,poesia e morte

por vítor, em 09.04.10

 

 

 

Ontem, atravessei o país a mais de 160 à hora para chegar a tempo de me sentar a ver O Glorioso. Cheguei a tempo de assistir em directo à grande desilusão. Acontece aos melhores. A culpa, há sempre alguém para a transportar, é só do Jesus. O David é dos melhores defesas centrais do mundo mas a defesa direito é apenas um jogador mediano. Ainda por cima, anunciou-o muito antes do início do jogo. Os ingleses atacaram sempre pela faixa esquerda e desorientaram a defesa completamente. O Di Maria não sabia por que equipa estava a jogar; o Tacuara, agora que aprendeu a parar as bolas com o queixo, parecia "um tractor a pedal"(1). Bom, deixemos de coisas tristes, que certamente dias de júbilo aí virão, e falemos de dias normais. Cheguei do Norte ontem e hoje lá fui à esplanada do Veneza tomar café, ler o jornal e apanhar sol. Mal me tinha sentado, chegou o meu amigo Rui ( e outro amigo, que vou ostracizar, que só me cantava o Yesterday) às voltas na cidade a tratar de problemas com o fisco relacionados com a comercialização dos seus livros. Deu-me o último poema que tinha escrito e cá está ele de tão fresco  que ainda cheira a tinta ...de choco. É o seu poema mais autobiográfico que conheço.

 

(1) Como lhe chama esse insigne crente, Filipe Nunes Vicente (FNV).

 

 

AINDA NÃO TINHA CHEGADO

 

Ainda não tinha chegado perto do equilíbrio

o seu acordo ortográfico era um vizinho no

estrangeiro

contudo tinha tangerinas

a balouçar nos dedos

círculos de polén no espelho

das vontades.

Trazia a uma perna um cão

desamarrado

um camaleão na árvore do seu lugar.

Despedia os domésticos medos cuspindo

bolas transparentes de sabão azul.

Era uma criança com quase 50 anos

já tinha comido mais de metade dos sorvetes.

 

Ainda não tinha chegado a lugar nenhum

(que quererá isto dizer?)

às vezes tinha vontade de ir à praia

apanhar conchas e ventos para

brincar com o mar.

 

Era um cigano que escrevia.

 

Olhava o cu das moças nos dias de

Sol

tinha uma deusa escondida na garganta.

Corria de barco de ilha

em ilha de duna em duna

procurando aquilo que os outros

apelidam de felicidade.

 

Ainda não tinha chegado.

 

Rui Dias Simão

 

PS:Quando vinha da esplanada para casa, soube que morreu o Faria. É um amigo longínquo, mas um amigo. Paz às suas almas.

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publicado às 14:07

uma banda assim

por vítor, em 05.11.09

 

 

No início dos anos 80 (século passado, portanto), movendo-se no eixo Avenida de Berna - FCSH - Venda Nova, Amadora, existia uma banda como esta. Éramos jovens e a vida toda estava por nossa conta. Os ensaios, no estúdio do Ramiro, na Amadora,  eram buracos no tempo, numinosos, fabulosos e irrepetíveis. Infelizmente todo o material gravado se perdeu. Os meios eram outros e as vidas complicadas dos "músicos" não permitiram guardar testemunhos únicos e fascinantes do trabalho produzido. Só  a memória e algumas arranhadelas coetâneas nas cordas das velhas violas tornam vivas as notas de antanho.

 

Não seria honesto da minha parte se não deixasse aqui a composição de tão efémera e flamejante banda:

-  viola ritmo e solo, Miguel; viola baixo(mão pesada incluida), Pedro Arroio; viola ritmo, Rui e Domingos; teclas, Eurico; viola e voz, Vítor e bateria,  Eduardo (Dadinho, o maior dos maiores).

Sete rapazes à procura de um sonho. De um sonho desfeito mas bom.

 

PS: É com a maior das alegrias que vejo o meu filhote mais novo a aprender a tocar  e a tirar já uns sons bem jeitosos da minha viola de há 30 anos.

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publicado às 19:08

foi só um dia perfeito

por vítor, em 01.11.09

 

 

O Verão continua. Depois da tempestade de ontem com a derrota dO Inominável, que me fez estar acordado até ás 4 da manhã ( o que vale é que dei um avanço enorme no livro do Loução sobre Templários e esoterismos), hoje, um dia perfeito.

De manhã, café e leitura do jornal no Chá Com Água Salgada, na praia da Manta Rota. Mar à vista. Passeio pela praia e almoço comprado em Cacela - febras com batatas fritas e arroz - para alegria do filhote e descanso do pessoal maior.

De tarde, rega das árvores mais stressadas da secura, café em Cabanas, à beira da serena Ria Formosa, visita à mãe e, novamente, rega. Em Cabanas encontro feliz com um velho amigo da aldeia, que não via há muito. O meu filho comentou a estranheza, dele, é claro, em relação ao meu amigo e à família. Bem diferente de nós. Nós todos turista pé descalço, eles todos domingueiros. Expliquei-lhe que aquele amigo querido tinha perdido o pai quando tinha dez anos e que tinha deixado a escola para trabalhar para a família. Ele, a mãe e uma irmã bebé. O pai tinha 40 anos. Ainda me lembro, com se fosse agora, dele a pontapear as pedras da nossa rua com a raiva da perda do pai. Trabalhou nas obras até casar. Depois, como o sogro tinha um barco, na dura labuta da pesca, até hoje. Até casar, andou sempre comigo e com os amigos de sempre, que estudaram até tarde. Gostava muito de aprender e pedia-nos  os livros que deixávamos de precisar à medida que íamos passando de ano. Sobretudo os de Geografia. Depois de casar, deixou a aldeia e foi morar para Vila Real. Passámo-nos a ver pouco. Os outros 4 amigos também seguiram os seus caminhos mas foram-se  sempre encontrando, até porque 3 vivem perto. Quando o 4º desce de Lisboa, onde vive, os encontros são memoráveis. Paralelamente às profissões do dia a dia, ligaram-se ao  ao teatro, à música, à escrita e às artes plásticas e o amigo pescador foi ficando nos recantos quase inacessíveis da memória. Nas tais noitadas de arromba, sempre nos lembramos dele e combinamos que para a próxima teremos que o contactar. Nunca aconteceu. Hoje trocámos de números de telemóvel e... para a próxima é que vai ser. Foi muito bom tê-lo encontrado. A seguir, visita à mãe e degustação dos tradicionais doces de figo e amêndoa do dia de todos-os-santos. Quando era menino detestava-os. Agora adoro-os. Estrelas de figo com amêndoas nas ponta e figos cheios são os meus favoritos. Regresso à Quinta e recomeço da rega. Enquanto as laranjeiras, noutro lado,  bebiam a água da rega gota-a-gota, eu regava, de rojo, as tangerineiras e outras árvores de fruto. De rojo a água, não eu. Este sistema de rega tradicional consiste em levar a água por um rego (um pequeno rio) até às árvores sedentas e alagar uma caldeira à volta do pé. Depois passar para outra árvore e assim sucessivamente. Vi,  no pátio das laranjeiras  da Mesquita de Córdova, um sistema muito parecido a este, certamente uma técnica trazida pelos árabes para a Península. Este método de rega é extraordinário: rega com eficácia e  permite ao trabalhador um trabalho lento, metódico e sempre em contacto com a água. O único problema é a lentidão da rega: regar uma laranjeira leva 5 minutos e sempre com a supervisão do trabalhador. 100 árvores são 500 minutos. Mais de 8 horas. Com a gota-a -gota regam-se 100, 200, 1000 em hora e meia e ainda por cima sem ser necessário trabalhador algum.Por isso as que rego de rojo são apenas cerca de 30. Para reflectir não há melhor. Uma auto-psiquiatria inqualificável. Depois, atira-me para o passado, longínquo e mais recente: longínquo quando toda a quinta era regada assim e eu, criança, brincava com barquinhos nos "rios" que o meu avô guiava  até às muitas centenas de laranjeiras; num passado mais recente, quando os meus filhos brincavam nos meus "rios". Agora só o meu cão Matrix e a minha gata Beti por lá aparecem a fazer companhia. Enquanto esperava que cada caldeira enchesse e antes de, com uma enxada ensinada, fechar uma "porta" e abrir a próxima, ia comendo romãs que apanhava nas vizinhas romanzeiras.

Finalmente, um cigarrito enquanto o Sol se punha por detrás do Cerro de S.Miguel. Um dia perfeito. Pelo põr-do-Sol, parece-me que o Verão se vai amanhã embora. Oxalá, estou à espera da chuva há muito.

(enquanto escrevia este atabalhuado texto, passámos para o outro dia. O dia perfeito já não é o de hoje...)

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publicado às 23:21

 Uma pequena parte do  imponente cemitério de âncoras do Barril

 

O Verão continua por estas paragens do Sul. 30 graus durante o dia. No outro dia fui ao Barril dar o último mergulho da temporada. Simplesmente do outro mundo. Longo passeio a pé atravessando o sapal, a miríade de canais da ria e o cordão dunar. Com a Serra Algarvia a correr a Norte, cinzenta e ondulada: com os sobressalentes Mama Gorda, Cerro da Cabeça e Cerro de S. Miguel a iluminarem o mar. Marcas de terra de pescadores e outros navegadores, ao longo dos tempos. Os aglomerados populacionais brancos de Cabanas, Conceição, Vale Caranguejo, Tavira e Santa Luzia a espreitar a Ria. Quem não se sentir com forças para os 3 kms (ida e volta) da viagem a pé, há sempre o comboinho que faz o trajecto pachorrentamente.

Junto à praia as magníficas construções da antiga Armação do Barril (pesca do atum), agora transformadas em apoio turístico, proporcionam um bom descanso para a jornada de volta.

Na praia, quase deserta, um longo banho nas águas quentes do Atlântico, uma boa companhia, um dormitar sobre as areias finas, enfim... quase o dito paraíso. Mesmo para quem não acredita.

Quando era adolescente, passava o Verão na praia: manhãs, tardes e...noites. Noites longas à luz da fogueira, guitarras espalhadas pela areia e as francesinhas do Club Mediterrané acariciando o luar.Tornava-me castanho escuro, os cabelos (longos) ruivos e o corpo salgado de meses. Agora, que cheguei à meia-idade (?), raramente vou à praia. Nada me faz passar horas a escaldar ao sol. Só os longos passeios, os mergulhos no mar e os amigos me conseguem levar algumas vezes até ao areais da Ria Formosa. Chego a ir mais vezes de Inverno do que de Verão. As multidões que se apinham à beira-mar deprimem-me e não gosto muito de voltar aos lugares onde fui feliz. Ao Verão de outrora.

O Verão continua sem sobressaltos e eu não estou inquieto como de costume, quando isso se verifica. Estou em plena campanha da alfarroba e não quero que chova. Se chove não se pode andar na labuta e as ervas dificultam bastante a apanha do chão, Este ano atrasei-me bastante na apanha e tive até de contratar um trabalhador que tem feito a maior parte do trabalho. Afazeres múltiplos e um filhote que foi este ano para a universidade em Lisboa têm-me  impedido de participar em pleno na campanha tradicional de fim de Verão. O trabalhador que contratei também não tem ajudado na velocidade de cruzeiro da apanha: vem um dia, falta dois; vem dois dias seguidos, falta o resto da semana; pago-lhe o salário, falta uma semana. O trabalhador é uma figura grada da literatura portuguesa, o que muito honra a Quinta, e  só isso  impediu a sua dispensa por negligência no trabalho. O Verão tem estado do seu lado e isso é bom para os dois: patrão e trabalhador. Quanto ao escritor, deixo para um próximo post a sua identidade. Para quem conhece a sua obra, aqui deixo um dos seus poemas.

 

Que nuvem se desfez sobre aminha cabeça

arrancando o verde do verde

apagando o azul do mar do mar azul

abatendo meus barcos na inavegável babugem?

 

Quem cobriu de fuligem o sol branco dos malmequeres

quem construiu casas vazias por cima dos caracóis

quem mandou à merda os pássaros perdoáveis?

 

Que nuvem era essa

com figura de humano

a tirar macacos do nariz?

 

Há noites assim...

a cabeça não se deita deitada...

um imorredoiro assobio percorre,

                                                   percorre...

 

Penetro os assuntos das mobílias interiores

apanho uma lua, quase apanho uma lua

 

Há noites assim:

companheira companheira

apenas a irresistível cadeira...

 

 

Quem adivinha o nome do trabalhador intermitente?

 

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publicado às 16:18

March 21, 2007

Registo número oito [Registos gerais sem pretensões de diário] — joão bentes @ 3:57 pm

Julgo que a minha educação falhou de alguma forma, e que esse assinalável embuste escapa à capacidade de juízo da minha natureza. Sou por isso uma pessoa amedrontada. Não porque receie que algum desconhecido na rua me esfaqueie a troco de míseras importâncias, mas sim porque a minha lucidez é uma estranheza pouco abrangente. À imagem do meu rosto todos os outros são pouco esclarecidos. É devido a essa falta de confiança que os meus sentimentos são uma névoa de emotividades suspensas num paralelismo sempre ambíguo, desguarnecidos da clareza própria aos homens fortes.

Infelizmente nunca me considero ridículo, nem de algum modo penso que as minhas atitudes podem ser desrespeitosas, pelo que não posso, e ninguém pode, em qualquer situação, colocar a minha seriedade em causa. Não sei se estas observações abreviam-me a indolência, ou se a força da minha expressão terá suficiência redundante.

Não sou um indivíduo político, mas estou guarnecido de tal promiscuidade. Tenho a certeza de que conspiram contra mim, mas a minha fragilidade é hostil e acabarei por me tornar mártir. Tratar-se-á de mesquinhice ou decadentismo senil. Há quem no vulgo me ache a personagem trágica de um enredo extremamente óbvio. Enfim, sempre houve de tudo e para todos. Eu não vou além da minha fúnebre tristeza, do masoquismo da minha melancolia.

March 19, 2007

PS: Se algum estúpido me vier falar de erros ortográficos, que vá levar no cu. O erro ortográfico está para a literatura como o nú está para a arte. Ou como o ânus está para o sexo. Ou como a cegonha está para a maternidade . Ou...é melhor parar por aqui, não me vá sair algum disparate...

PS2: Vou voltar a colocar a tag sexo. Estou tão por baixo nas visitas, e até não vai em contra-mão. Pois não?!

PS3: O joão é meu amigo e ainda vamos ouvir falar,e falar, muito dele.

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publicado às 19:25

os animais da cabeça II

por vítor, em 06.12.08

 

 

(Percebendo quase tudo adjacente
a Mário de Sá-Carneiro)

 


O animal doméstico engorda
a cada passo de esfregona
assexuado como um carrossel
na cabeça
um pequeníssimo sol
mal respira
por muito que aponte
não há céu provável
no horizonte
O animal doméstico
é um pequeno homem
O animal doméstico
sou eu
E eu sou eu e sou o outro...
(imaginai o que não teria para aguar
o benfazejo Bivar no dia seguinte
à demorada proliferação de poetas)
Durante a genética moralidade
por vezes
a portugalidade dói

 

Rui Dias Simão

 

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publicado às 22:26

os animais da cabeça

por vítor, em 25.11.08

 

Já digitalizado, com prefácio de José Carlos Barros, o novo livro de Rui Dias Simão está a caminho da gráfica, onde será materializado.

 

A capa, a contracapa e a lombada e um cheirinho do conteúdo.

 

Como disse um dia Ferlingueti na apresentação de um livro de Ginsberg, "minhas senhoras, arregaçai as fímbrias das vossas saias que vamos atravessar o inferno!"

 

Saia à luz do dia em 2008 ou em 2009, será certamente o acontecimento literário do ano.

 

Aqui para nós que ninguém nos lê, a edição é - será sempre -obra das edições cativa e, parece-me, desta vez, contar com a parceria da editora - muito em voga aliás- 4 águas.

 

"...arregaçai as fímbrias..."

 

A mulher não esmorece perante
a literária lua.
Não levanta um medo para os flancos
da pouca noite.
A claridade, a claridade existe para além
dos escombros do filho que não está.
O corpo é uma praça iluminada
quando caminha com existência
visível.
A lua deita-se com esta mulher diária.
A mulher não adoece perante
a memória lúcida e cega.
Onde a areia branca?

 

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publicado às 22:16

Um amigo nunca morre

por vítor, em 18.09.08

 

Tomava um café enquanto lia o jornal, na rua principal de Monte Gordo. Descontraía, num intervalo do trabalho.

A notícia chegou galopante, bruta e esmagadora. O Gavinhos morreu. O quê?!Como?! Não entendo!!!

O Gavinhos morreu. Repetia o mensageiro do outro lado do telemóvel. Não pode ser verdade, os amigos não morrem!

 

O Eugénio era um homem de aspecto rude, barba eterna e sorriso doce. Criado nas encostas da Serra da Estrela, em Gouveia, escolhera Tavira para viver há cerca de 30 anos. Por detrás desta silhueta grande e escangalhada, assomava um homem bom, dócil, solidário e gentil. Um homem apaixonado pela vida que acreditava nos outros e que, desinteressadamente, tudo fazia para poder ajudar os que a vida deserdara. Um dos homens mais inteligentes que já conheci.

 

A última vez que tive o privilégio de estar com ele (no café Veneza), transbordava de felicidade: estava com os filhos (vindos de Lisboa para um curto período de férias) e falou-me, com os olhos brilhantes,  na neta bebé e na reforma que iria chegar no ano que aí vinha (este ano, portanto). Milhares de projectos já fervilhavam naquela cabeça inquieta. Inquieta por agarrar o futuro.

 

Há alguns anos tinha, finalmente, vencido a besta do álcool que o atormentou parte da vida adulta. Mas a besta sempre espreita e desta vez traiçoeiramente sem permitir a intervenção da vontade. Um tumor no cérebro conduziu-o à morte em alguns meses.

 

"No passa nada", Eugénio. Só deixaremos de nos encontrar no café...

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publicado às 22:16

Alfarrobas e adolescência

por vítor, em 01.09.08

 

Nos tempos da apanha da alfarroba pareço mergulhar na adolescência. Só me apetece entrar pelas noites adentro como gato à procura de sonhos já sonhados...

 

PS: Não tenho andado com disposição para grandes escritos. No entanto estou pouco preocupado. Como diria a grande filósofa dos nossos dias, Lili Caneças, não escrever é só o contrário de escrever.

PS1:O meu amigo Pedro Alves vai compensando esta ausência de palavras novas com algumas referências a palavras antigas e projectos novos deste vosso criado. Recomendo-vos vivamente a passagem pelo canal sonora, o belíssimo blog do amigo supra citado.

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publicado às 14:20

Alfarrobas e Cascabulhos

por vítor, em 05.08.08

 

 

 

 

 

A noite caiu cálida e serena. A casa do Rui encheu-se de gentes que não se rende.  Gente vinda de outro mundo que caminha para outro mundo,  enquanto agita este mundo. As noites destas gentes rasgam caminhos sinuosos que traçam riscos de solidão nas vidas incompletas. Nada pode prever os ziguezagues apocalípticos, as longas rectas sem destino. As palavras são cruéis e imprevisíveis, mutilam e abrem brechas nas crostas ideológicas da multidão. Vergastam a pele dos que sentimos mais próximos. As mudanças indispõem os organismos e são a força vital da sobrevivência. A mudança é a vida e predispõe a morte.

Na noite cálida que lavrou o tempo, o cálice ergueu-se pingando o vinho e tilintou nas esperanças da recusa de eternidade. A velhice saiu à rua e gritou aos ouvintes incrédulos a impossibilidade de regressar a casa. À casa dos teus avós. À genealógica euforia do devir. O mar entranhou-se, sem estranhezas, na confusão dos espíritos perplexos e aspergiu gritos de aflição na vizinhança amortalhada: a reacção foi desproporcionada à acção. Gente, que ninguém soube de onde vinha, envolveu-se na contenda do cálice e das palavras. Abafaram-se ideias de lucidez feroz. Louca. Os amigos enervam-se quando nascem profetas fora de prazo. Profetas que conhecem os meandros das consciências estagnadas. Das consciências marcadas pela violação dos direitos adquiridos no super mercado   da sabedoria empacotada.

A casa do Rui flutua na noite. Enquanto os argonautas se digladiam na planície repleta de sombras, o anfitrião serve pérolas em cascabulhos roubados à lama escabrosa das almas inquietas.

As calmarias surgem na madrugada quando a conversa se concentra  num chão pejado de alfarrobas.

 

(PS: Não ligar à conversa mole deste vosso criado. As noites-da-casa-do-rui são monumentos rituais celebrados em honra de Baco)

(PS1:Este texto, que saiu de rompante à velha maneira surrealista, é dedicado  ao Adão que  tudo filma, compõe e edita e que nunca aparece)

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publicado às 23:30


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