Uma pequena parte do imponente cemitério de âncoras do Barril
O Verão continua por estas paragens do Sul. 30 graus durante o dia. No outro dia fui ao Barril dar o último mergulho da temporada. Simplesmente do outro mundo. Longo passeio a pé atravessando o sapal, a miríade de canais da ria e o cordão dunar. Com a Serra Algarvia a correr a Norte, cinzenta e ondulada: com os sobressalentes Mama Gorda, Cerro da Cabeça e Cerro de S. Miguel a iluminarem o mar. Marcas de terra de pescadores e outros navegadores, ao longo dos tempos. Os aglomerados populacionais brancos de Cabanas, Conceição, Vale Caranguejo, Tavira e Santa Luzia a espreitar a Ria. Quem não se sentir com forças para os 3 kms (ida e volta) da viagem a pé, há sempre o comboinho que faz o trajecto pachorrentamente.
Junto à praia as magníficas construções da antiga Armação do Barril (pesca do atum), agora transformadas em apoio turístico, proporcionam um bom descanso para a jornada de volta.
Na praia, quase deserta, um longo banho nas águas quentes do Atlântico, uma boa companhia, um dormitar sobre as areias finas, enfim... quase o dito paraíso. Mesmo para quem não acredita.
Quando era adolescente, passava o Verão na praia: manhãs, tardes e...noites. Noites longas à luz da fogueira, guitarras espalhadas pela areia e as francesinhas do Club Mediterrané acariciando o luar.Tornava-me castanho escuro, os cabelos (longos) ruivos e o corpo salgado de meses. Agora, que cheguei à meia-idade (?), raramente vou à praia. Nada me faz passar horas a escaldar ao sol. Só os longos passeios, os mergulhos no mar e os amigos me conseguem levar algumas vezes até ao areais da Ria Formosa. Chego a ir mais vezes de Inverno do que de Verão. As multidões que se apinham à beira-mar deprimem-me e não gosto muito de voltar aos lugares onde fui feliz. Ao Verão de outrora.
O Verão continua sem sobressaltos e eu não estou inquieto como de costume, quando isso se verifica. Estou em plena campanha da alfarroba e não quero que chova. Se chove não se pode andar na labuta e as ervas dificultam bastante a apanha do chão, Este ano atrasei-me bastante na apanha e tive até de contratar um trabalhador que tem feito a maior parte do trabalho. Afazeres múltiplos e um filhote que foi este ano para a universidade em Lisboa têm-me impedido de participar em pleno na campanha tradicional de fim de Verão. O trabalhador que contratei também não tem ajudado na velocidade de cruzeiro da apanha: vem um dia, falta dois; vem dois dias seguidos, falta o resto da semana; pago-lhe o salário, falta uma semana. O trabalhador é uma figura grada da literatura portuguesa, o que muito honra a Quinta, e só isso impediu a sua dispensa por negligência no trabalho. O Verão tem estado do seu lado e isso é bom para os dois: patrão e trabalhador. Quanto ao escritor, deixo para um próximo post a sua identidade. Para quem conhece a sua obra, aqui deixo um dos seus poemas.
Que nuvem se desfez sobre aminha cabeça
arrancando o verde do verde
apagando o azul do mar do mar azul
abatendo meus barcos na inavegável babugem?
Quem cobriu de fuligem o sol branco dos malmequeres
quem construiu casas vazias por cima dos caracóis
quem mandou à merda os pássaros perdoáveis?
Que nuvem era essa
com figura de humano
a tirar macacos do nariz?
Há noites assim...
a cabeça não se deita deitada...
um imorredoiro assobio percorre,
percorre...
Penetro os assuntos das mobílias interiores
apanho uma lua, quase apanho uma lua
Há noites assim:
companheira companheira
apenas a irresistível cadeira...
Quem adivinha o nome do trabalhador intermitente?