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Fui hoje, sob - que mais parecia sobre -, um sol escaldante, "acompanhar" o meu amigo Mané até ao cemitério da Conceição. Há alguns anos que pouco falávamos. No final da adolescência, eu saltei do seu barco, ou melhor, foi ele que saltou do nosso barco, que abandonou a navegação à vista, e enveredou por uma rota que nos trouxe até aqui. Eu vivo e perturbado. Ele defunto e sereno. O contrário das suas vidas. Ele caminhando à beira do precipício. Gozando o medo dos outros e sua própria vertigem: o suicídio lento e doloroso da embriaguez permanente. Da festa sem fim. Vivia sozinho desde cedo. A morte prematura do pai e a migração da mãe (com a irmã) para a Suíça dava-nos, egoístas, um fantástico covil para as piratarias da juventude. Depois de noites memoráveis pela praia e os bares de Cabanas, recolhíamos a sua casa até a madrugada desembocar no dia. Noites de muita loucura. Noites incontáveis. Eu,e outros, sabendo que a festa não é eterna fomos entrando, aos poucos, na vida séria. O Mané continuou o seu percurso até ao fim.
Fininho, de rabo de cavalo longo, sempre de negro era das figuras mais carismáticas de Cabanas. Sobretudo da noite. Com uma alegria transbordante e um humor inteligente, seco e corrosivo, ninguém lhe ficava indiferente. Não havia visitante da povoação que não o viesse a conhecer. A sua vida intensa e no fio da navalha não o impediram de trabalhar sempre. Como barman (sic), empregado de cozinha, empregado de mesa e outros ofícios ligados ao turismo. Namorador e apreciador da beleza feminina, o amor de uma austríaca (conhecida na noite local), leva-o à Áustria onde vive algum tempo trabalhando em restaurantes. Volta revoltado com vitória da extrema direita. A degradação das bordas do precipício levam-no, cada vez mais, a aproximar-se do fundo. Uma amiga minha tinha-o visto há poucos dias numa cadeira de rodas empurrada pela austríaca. Pensei ir vê-lo à "nossa casa". Tinha medo de o encontra no limbo. Ontem na feira da Conceição, e na noite de baile e cerveja que lhe está associada, soube da notícia. O Mané tinha partido para a terra de onde veio toda a gente e para onde toda a gente vai.
No cemitério, que une os mortos de Cabanas e Conceição, está parte da minha vida. Uns sairam no final da cerimónia. Outros ficaram. O Mané, com uma cerveja numa mão, coloca-me a outra no ombro, contorce-se ligeiramente e solta uma gargalhada que ecoará para sempre nas terras da ria.
*Nestas terras do Sotavento, quando alguém refere um falecido, coloca o adjetivo "descansado" antes do nome do referido não vá o dito vir incomodar o referente.
PS: Por ironia do destino, quando me meti no carro para ir "acompanhar" o Mané, liguei o rádio e começou a tocar a música que acima inseri. Os Doors acompanharam-nos e acompanham-nos para sempre.
Na madrugada de sexta-feira (3 da manhã?), voava sobre as prenhes e calmas águas da ria, rasgando a noite sob a Lua cheia, depois de ter estado numa festa com 4 000 jovens na Ilha de Tavira. 99,9 % tinham menos de metade da minha idade. O espectáculo é arrepiante.
Um aqua-táxi voando sobre a espuma branca, atravessando a ria numa maré viva e com Lua cheia é uma experiência absolutamente esmagadora.
No Sábado, romaria com amigos de infância e adolescência ao estádio José Arcanjo degustar um Ohanense-Feirense, para a Liga de Honra (sic). Nunca tinha posto os pés no dito estádio. O meu campo de jogos em Olhão era (e será sempre) o mítico Estádio Padinha. e a esse não ia desde 1976 (?) quando o Olhanense desceu à 2º divisão para não mais lá semear paixões. Jogo muito importante para a subida do Olhanense à primeira divisão (1º classificado contra 3º) fez-nos sofrer até ao fim. 2-1 foi o resultado. Gritámos e assobiámos sem parar, contorcemo-nos, quando o feirense atacava e escancarámos os olhos durante as investidas rubi-negras (penso que até fomos pouco educados para com a equipa de arbitragem e seus familiares próximos) mas valeu a pena: estamos mais perto de ter um clube algarvio nas mais altas esferas do pontapé na bola luso.
Claro está, que à volta, não resistimos aos caracóis do Primo, nos Cavacos, e, depois, às estupidamente geladas imperiais do D. Manuel e aos seus afamados ... tremoços.
PS. Nesse mesmo Sábado, Aquele que não ouso pronunciar o nome soçobrava, na Luz, perante os estudantes de Coimbra. É uma agonia insuportável que temos que carregar até ao fim. Ao fim do princípio que é já amanhã.
Mais dois dias de vidas que passam.Como todas as outras, inúteis ou úteis. Como todas as outras, estranhas e sem sentido. Dois dias que já soluçam nas revoltas e sombrias torrentes da memória.
Nos tempos da apanha da alfarroba pareço mergulhar na adolescência. Só me apetece entrar pelas noites adentro como gato à procura de sonhos já sonhados...
PS: Não tenho andado com disposição para grandes escritos. No entanto estou pouco preocupado. Como diria a grande filósofa dos nossos dias, Lili Caneças, não escrever é só o contrário de escrever.
PS1:O meu amigo Pedro Alves vai compensando esta ausência de palavras novas com algumas referências a palavras antigas e projectos novos deste vosso criado. Recomendo-vos vivamente a passagem pelo canal sonora, o belíssimo blog do amigo supra citado.
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