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Depois de 30 anos de hibernação pelos veludosos sofás da assembleia, o homem acordou. Que era vaidoso e populista (redundância inútil) toda a gente sabia.
Assistiu ao meter do socialismo na gaveta e nada disse. Viu o PS aliar-se com o CDS, e nada disse. Pertenceu ao governo do bloco central, e voltou a face às bandeiras negras da península de Setúbal. Conviveu com o socialismo beato de Guterres, e não estrebuchou. Pelo caminho votou a favor de todas as alterações legislativas que atiraram "as conquistas de Abril" para o caixote do lixo da história. O que se passou então?
A minha modesta interpretação é que quer ser presidente! E para ser presidente tem que fazer o pleno da esquerda como fez Soares na segunda volta.
Não percebo o que é que o Bloco de Esquerda anda a fazer com o homem ao colo! Também quer eleger um presidente? Quer crescer de tal forma (com Alegre) que entrará de rompante para o governo? Não viu ainda que o homem quando ouve falar em casamentos homossexuais, todo é tremores frios e marialvismos. O campeão da liberdade. Não o criticava ainda há pouco como "beijador de estátuas"? Não o tem visto, pelo Alentejo fora, em coutadas de caça, atirar às perdizes ombro a ombro com Dias Loureiro?
Até como poeta, na minha modesta opinião, não escreve nada com interesse há 30 anos. Agora, para além de dissecar sistematicamente a sua coragem, apego às liberdades e à verdadeira esquerda (eu,eu,eu,...eu), em livros e nas televisões, rabisca ainda umas apologéticas linhas sobre os belos olhos da boga e as reluzentes penas das narcejas e .. nada mais.
A minha esquerda é outra! Não embarca em oportunismos efémeros e serôdios. Em marialvismos popularuchos e sebastiânicos.
Os que comigo percorrem os caminhos nunca dormiram no aconchego da previsibilidade!
Jovem recém licenciado em Antropologia atira-se com ganas ao mercado de trabalho. Envia currículos , bate a portas, fala com amigos influentes, chega mesmo a abordar políticos com provas dadas. Provas na arregimentarão de "colaboradores", claro está. Nada. Incompreensão, estranheza e mesmo desprezo. Desespera, quando, estaria a ver bem?, mesmo à sua frente uma miraculosa oferta de trabalho... Num circo espraiado pela clareira urbana: "Precisa-se empregado".
Não seria, certamente, o que almejava mas... circo, trabalho de campo, trabalho de campo, Antropologia. Ou não fosse a actividade circense um dos terrenos férteis da elaboração teórica dos estudos antropológicos. A ver vamos.
Contratado imediatamente, vê-se no interior da mastodôntica tenda ouvindo as características dos seu novo e primeiro trabalho. Ouve incrédulo. O seu trabalho consiste em se meter na pele de um leão e fazer-se passar por ele durante o espectáculo. Não... não será difícil e a segurança é um dos nossos lemas, o domador depois lhe dará as indicações mais específicas ao seu desempenho. Aceito, respondeu apalermado com o que dizia.
Depois da tal conversa técnica com o domador, lá se apresentou pela noite para a primeira representação. Quando ouve, pela instalação sonora, "e agora, vindo da mais impenetrável das florestas de África, o mais feroz dos ferozes animais do reino animal, o rei dos animais, o indomável leão das selvas por explorar", ainda lhe parece tudo um longínquo sonho difuso. Mas lá entra a caminho da jaula erguida no meio da arena. Debaixo dum aplauso sísmico, executa os números anteriormente combinados e executa rugidos medonhos ( ampliados por uma engenhosa aparelhagem sonora). Os aplausos redobram ribombantes. Confortam e facilitam os números desenvolvidos. Afinal, tudo parecia fácil e já se estava a ver, findo o forrobodó, a tomar notas no seu caderninho de bolso. Saltos por dentro de arcos em fogo, equilíbrios no topo de escadas e bancos de pernas altas, ascensões ao mastro espetado no meio da jaula e tudo caminha nos conformes dos conformes.
Eis senão quando se ouve pela já gabada aparelhagem " e agora um companheiro do nosso amigo das selvas, o feroz e inexcedível leão do deserto". E entra, jaula dentro um fabuloso leão, rugindo poderosamente, com uma juba portentosa e luzidia. Pelo sim pelo não, o primeiro leão trepou rapidamente pelo supra citado mastro central, e por lá ficou apreciando, como nenhum dos restantes espectadores, o desenrolar das acrobacias leoninas no terreno, passe o pleonasmo, térreo. Entraram ainda mais três magníficas feras mas o leão-empoleirado já não estava em estado de controlar o que se passava no rés-do-chão. Porém, com o passar do tempo foi acalmando. Afinal tudo não passara de um valente susto. O domador não iria repetir com nenhum dos felinos a subida ao erecto varão central. Afinal haviam-lhe dito que a segurança era a marca registada do circo. Crença de pouca dura. O descuidado domador incita o leão das areias a trepar até ao desgraçado, e já húmido, rei da selva. Cinicamente, dizia, para o cumprimentar. Quando sentiu o varejar do poste onde, de forma ridícula, se enrolava, começou a encomendar a alma ao criador. O rugido tremendo subia teatralmente, metro a metro. ao seu encontro e, quando já sentia o bafo na sua segunda pele, ouviu da tenebrosa boca do seu companheiro de artes "é pá, não há problema isto é tudo malta de Antropologia".
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