Se me dissessem que a minha primeira casa seria uma gaiola dourada de pássaro canoro, o resto do meu dia seria passado a roer as grades dessa tão bela e cómoda casa. Sendo expectável que o aço resistiria aos meus dentes, nada mais aceitaria que se comesse, de forma a me tornar tão magro que pudesse atravessar o vazio das barras metálicas. Os pilares do que em mim se erguia! E se, mesmo assim, prevalecesse o frio da prisão imaginada, e se ao meu corpo escanzelado não fosse permitida a ausência do espaço a que, sem ter consciência do poder da música residencial, me acomodara, ousaria então a escapatória restante e final: montaria o cavalo selvagem da imaginação, sulcando a galope por entre vagas doutrinárias e sereias compreensivas. Quando a aspereza do ar, saturado de ameaças e alegrias, me fizesse tombar do equino, seguiria, então, o novo caminho. Nada do que vira antes me rodeava os passos. O espanto comovia-me e chorava. Ria, até. As bermas flamejantes do sonho que empreendera conduziam-me eufórico, ataráxico e vazio, bebendo tudo o que de belo a pradaria sem fim me oferecia. O que em mim olhava os passos de antanho, contemplando os dias sombrios da eternidade acumulada nos ossos dos transeuntes, apenas observava o pássaro doente na gaiola de fogo e sangue. A canção escapava-se no crepúsculo do entardecer e as asas da ave rocegavam o pântano fumegante. No desespero da dor, voltaria atrás. A liberdade amaldiçoou os meus dias e juntei-me a quem das trevas poderia criar luz.
Um pássaro que finge poder voar no vento cansado!
Cativa, 21/2/2024 in, Espúria