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ainda as ruas sangravam - Edgar Lua

por vítor, em 22.06.22





Há já algum tempo que nada sabia dele. Do poeta Edgar Lua. Poeta que me "escolheu" como media divulgador da sua poesia. Um dia destes terei que me abalançar a publicar a sua obra. Ontem, por mero acaso, apenas por mero acaso, fui jantar com poetas na calmosa noite de Tavira. Alegres, e bem bebidos, diga-se de passagem, fomos beber a abaladeira a um bar novo com o pomposo nome de Ofélia, sim, a namoradita do outro, e virado para as artes. O bar, a abarrotar de gente, não tinha lugar para poetas, e lá fomos a uma espelunca próxima com o eufémico nome de pastelaria: um tasco sujo e escuro. Em boa hora: do fundo do obscuro antro saiu-me o supracitado poeta sorrindo de alegria e embriaguez. Vitor! Meu querido. Tenho aqui um presente para ti. E, olhando de soslaio os camaradas de pena, pena no duplo sentido, entregou-me um papel de mesa rasgado com o poema que vos ofereço. Retirou-se, então, para o fundo dos fundos, para uma mesa onde reinava a alegria e o entusiasmo pela noite. Para não melindrar poetas, uns, e talvez outros, retive as perguntas que me atormentavam o coração, e virei-me para os meus. Pouco tempo depois, a alegre pandilha saíu, aos trambolhões, pela porta dos fundos. Pareceu-me tomar, a pandilha, o caminho para as Quatro-Águas, rumo às acolhedoras areias da Ilha de Tavira. Li o poema aos meus congéneres que, talvez pelo adiantado da hora, não ligaram grande coisa.














O estranho poema é este:



Ainda as ruas sangravam

quando o vento soprou acre e sedutor:

Quantas vezes apunhalaste o teu semelhante? Quantas vezes na rua que pisas os teus sapatos rôtos rangeram

encharcados no sangue derramado pelos que te ajudaram a percorrer os trilhos

capilares da noite, as veredas por onde

caminhas almariado e fedendo a álcool?

Nunca saberás ao certo de quem é o corpo que te transporta sem destino ao longo cume

lacerante dos barrancos, depressões rutilantes da loucura. Que carne te alimenta os instintos

primários que te arrastam até aos desejos asquerosos da ventania? Quantos anos

ousarás deitar fora para chegar ao longe que te espera? Quanto tempo durará o sofrimento de saber o que o fim é?: o abraço para lá do destino final. A passagem pelas mãos dolorosas e sábias do assassino que espera.

As ruas sangravam quando a brisa dolente

pareceu desaparecer na tarde.

 

Edgar Lua 17-6-2022










 






 


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publicado às 13:21



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