Sempre senti o apelo da viagem,
e, no entanto, apesar das voltas que fui dando, nunca saí deste lugar morno e acolhedor. Lugar centrado em mim e que de mim faz mundo. Sim, a verdade, se é que podemos falar assim, é que todos seremos esquecidos. Mesmo os que, bem aventurados, deixaram "obras valerosas". O que restará, se restar, será uma caricatura do que fomos, tão distante, muitas vezes, que nós próprios não nos reconheceríamos nela. Porque aquilo que os outros fazem das coisas é obra sua. Tornamo-nos nos outros, manipulados por gerações com formas de interpretar diversas daquelas que nos enformaram e levaram a ter comportamentos e ideias, a criar, que deixámos como rasto de vida. Pegadas que o tempo apagou: restam apenas retratos a sépia crónica. Ninguém nos reconheceria se voltássemos um dia ao convívio dos outros que nos sucedem. A criatura é sempre mais duradora que o criador. O próprio criador se transforma em criatura quando olhado de fora enquanto produtor de inovação. As criaturas universais tornam-se obras de construção universal. Obras coletivas que anulam o artista. Ou melhor, integram-no naquilo que o fez capaz de criar a coisa cultural: os arquétipos profundos criadores da humanidade. Aquando da gestação, a criatura está geneticamente condenada à condução guiada do escopo do criador. Guiada pelos genes e pelos, intrometidos, arquétipos. Uns, inscritos no ADN, que individualizam, outros, tatuados na psique, que universalizam e destroem a concepção de autoria.
Não, não há fuga à gadanha final. A morte sempre vence.