Se as portas se abrissem no instante
Em que a luz se desprende do teu olhar,
A delicadeza dos navios juncando a tarde,
Envoltos na espuma cruel das noites,
Seria um sopro de desespero rasgando
O teu corpo. Os rostos parecem tombar
Na frieza sombria que te sufoca as mãos.
As mãos esguias que desenham marés
Nos lábios entreabertos, nas inquietas faces
Desocultando as rugosas cicatrizes em fogo.
Se as portas se abrissem revelando as entranhas
Dos peixes, saberíamos dizer que o sonho
Representa a linguagem dos corpos
Deslizando no nojo da ausência. Nos segredos
Da crua imagem que revelas, reproduzem-se,
No seu fragor lento, os lugares inapropriados
De antanho. As luzes emergem do tempo sacralizando
O fim das tempestades, o assentar do pó que oculta
As chagas da noite vazia, o rumor penetrando
A sageza dos marinheiros, o estertor das águas
Perpetuando a dor dos náufragos nos lugares
Da dor fingida. No lugar das mágoas de pedra,
Das verdades ensanguentadas, covil do amor
Sem desejo e do corpo ausente e oco.