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Etnocentrismo ingénuo e caridoso

por vítor, em 01.11.08

Que me desculpe o Sr. que não sei quem seja.

 

Moçambique, ano de 2030. Um candidto à presidência da república filho de um europeu branco e de uma moçambicana negra vence as eleições

 

Europa, África e o mundo em geral entusiasmados com a eleição de um  branco, pela primeira vez na África sub-saariana...

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publicado às 22:48

 

O mundo capitalista está em convulsões. O mundo inteiro. O capitalismo é o modelo económico/ideológico global do planeta e apenas os interstícios da tecelagem escapam à sua voraz heterofagia. Até depressões marginais se ressentem do estertor global: as migalhas do bodo deixam de se precipitar das toalhas bordadas quando os comensais sentem a fartura a esvair-se. A indigência alastra. as poeiras das implosões raramente assentam na base das estruturas. No main stream recorre-se às reservas e os ácidos estomacais não trabalham no vazio.

 

Quando o capitalismo se reergue da grande depressão dos anos 30, o planeta acordou dual. A oriente o comunismo, a ocidente o velho e recauchutado  capitalismo. A rápida entrada na 1º Guerra Global (1939/1945) baralha e volta a dar (e por isso essa crise não poderá funcionar como modelo para a saída da actual) e emerge-se do vazio ideológico da Guerra mais dual e maniqueísta que nunca. Anjos e demónios acantonam-se nos dois lados estanquicizados mudando conforme o ponto desde onde se os observa. A "cortina de ferro" dinamiza, fortalece e cristaliza dois paradigmas que se contendem e alastram pelos campos planetários da não ideologia. A luta é fria no centro mas escalda nas periferias.

 

O capitalismo prospera mas tem medo. Medo da força e medo da ideologia operária. É este último medo que regula os excessos do capitalismo liberal. A ganância, o dinheiro antes do homem e a auto-regulação.

Em meados do séc. XX já só, paradoxalmente, o capitalismo acredita no comunismo. Na sua força moral e filosófica. Os cidadãos do mundo socialista já rejeitaram a modelação do "homem novo". Sobrevivem adaptando-se às arbitrariedades dum paradigma de igualdade medíocre e totalitária. As nomenclaturas já só reproduzem... as nomenclaturas, num bailado escabroso e mortal (curiosamente numa lógica churchiliana de este mundo é uma merda, mas é o menos merda de todos).

Os capitalistas, ainda crentes no comunismo actuam com carapins de lã. Os "direitos dos trabalhadores" irrompem como nunca, em lado nenhum da História. Subsídios de férias, décimos terceiros meses, subsídios de desemprego, baixas por doença pagas, licenças de maternidade, direitos sindicais "avançados", reduções de horário laboral, etc, etc, etc; não são "conquistas dos trabalhadores" (ou não são só) e avanços civilizacionais. São cedências impostas pelo bluff que se instalou a Leste. Cedências ante o medo do modelo moral que poderia levar os "explorados" do ocidente a revoltar-se e a abraçar o paraíso da "sociedade sem classes".

 

Não é por acaso que o modelo económico capitalista solar (ainda só! há 30 anos) era o do Japão. A empresa era uma família, o trabalhador vestia a camisola da sua unidade produtiva e trabalhava nela até à velhice. Patrões, quadros superiores e trabalhadores em geral eram iguais e só se distinguiam pela complementaridade orgânica da produção. O capitalista de chapéu alto (o tio Sam) estava sem glamour. O próprio capitalismo estava sem sex-appeal e não era o capitalista japonês que o tinha (filmes como o 9 semanas e meia só foram possíveis muito depois).

 

Mas entretanto a "terceira vaga" de Tofller varreu o ocidente e alastrou, sem convite, a oriente. As tecnologias da informação e da comunicação (sic)  penetraram por entre as grades da "cortina de ferro" e mostraram aos aparvalhados "cidadãos de leste" um "maravilhoso mundo novo". Parte dele, objectivamente, transportando uma carga considerável de ilusão, engano, propaganda  e pseudo-realidade. Foi este mundo novo, e não o patético Reagan, que estilhaçou cortinas e muros e homogeneizou as partes.

 

Sem o regularizador a Leste o capitalismo iniciou uma cavalgada selvática pelas planícies- sôfregas-de-homens-velhos-à-espera, distribuindo magia e recolhendo dividendos sem fim  para gozo e baba de accionistas e gestores. A desenfreada cavalgada correu maravilhosamente até ao final do século das ideologias, ajudada pelo sustento imponente das novas tecnologias e pelo acordar de mundos distantes e há muito ensimesmados. Este beijo mortal do capitalismo constituiu o seu apogeu e a sua queda. Trouxe para a compita económica global outros contendores onde o capitalismo, aproveitando um húmus cultural favorável e irrepetível, floresceu como cogumelos em estrume de cavalo e provocou o acordar trovejante desse mundo paralelo, o Islão, esse "outro lado" tão distante e tão perto...

 

Estamos numa encruzilhada civilizacional complexa e de difícil desembaraço. Os próximos anos serão excitantes mas, terrivelmente, inseguros e perigosos.

Como irá reagir o ocidente à apropriação oriental do capitalismo? Como irá reagir às inúmeras expressões do renascimento do Islão? Será a guerra (quente) a funcionar como desbloqueador?

 

Quem irá regular quem?

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publicado às 18:58

Globalização Amordaçada

por vítor, em 09.06.08

 

 

Alguém terá que o dizer. Alguém que seja ouvido. Muita gente já o disse e discutiu no refúgio das opacas paredes dos antros políticos e científicos ou em conversas de café.

Como toda a gente sabe, da mais ingénua criancinha ao mais sábio dos sábios, a maior parte dos recursos disponíveis são escassos e finitos. Energia; por ora; alimentos, água, espaço, atmosfera e outros são esgotáveis ou sujeitos a contaminações irreversíveis e inutilizantes. As vagas de Toffler  só lentificam, atenuam e prolongam este fluir pastoso para o abismo. Para o buraco negro que a tudo suga.

O modelo económico que se impôs a seguir à revolução industrial parecia inesgotável: um pequeno número de países, que se industrializou, enriqueceu fabricando e distribuindo, enquanto o resto do mundo se constituiu como uma enorme fonte de reservas de matérias-primas e recursos energéticos. Alguns, deste vasto campo mineiro, até melhoraram alguma coisa, o resto, um sub-mundo encoberto e apenas conhecido por elites bem informadas ou antropólogos militantes, manteve-se num longo e profundo limbo existencial. O modelo prosperou num paradigma relacional colonial e só sofreu os primeiros revezes com o início da descolonização, em meados do século XX, com os ex-colonizados a indigenizaram parte dos recursos até então sugados pelas metrópoles. Mas os territórios “ultramarinos” cedo mergulharam na turbulência pós colonização, acabando por voltar ao seio de potências que lhes assegurassem a segurança. Esta segurança reavivou a velha troca de  máquinas por matérias-primas: armas por  bananas…

Com o desmoronar  das dependências territoriais do mundo moderno, construído pela primeira globalização, a  das “Descobertas, entramos numa era dual vincada, na qual a “Guerra Fria” estabelece um novo padrão de entendimento. Económico e geoestratégico. Língua e cultura vergam-se perante a política pura e dura, mas, em certa medida, numa lógica neo-colonial. Fala-se até em estratégias dominó…

A terceira vaga que irrompe no mundo ocidental arrasa a “cortina de ferro” e instala um modelo unipolar liderado pelos Estados Unidos. No entanto  a aceleração da globalização operou um difusão fulgurante das novas tecnologias de informação e comunicação e uma abertura de mercados que trouxe para a economia mundial e, agora algo de completamente novo para a geoestratégia político-militar, novos actores que vão ombrear com os antigos impérios planetários. Com um peso demográfico descomunal, tornam-se apetitosos para os tradicionais países exportadores e, ao mesmo tempo, perigosos competidores no fluente mercado global. Mais, tornam-se peças de relevo no tabuleiro de xadrez onde se jogam as relações de poder do século XXI. China e Índia, por um lado, e Brasil e Rússia, por outro, fragilizam a potência dominante e avançam imparáveis pelos territórios antes ocupados pela potências colonizadoras. Os tão famosos BRIC robustecem enquanto americanos definham no Iraque e os europeus, na constante indecisão de consciência do mundo, se entretêm com assuntos intestinos e paralisantes.

Os crescimentos brutais do consumo dos novos actores, despoletado pelo crescimento económico regular acima dos dois dígitos, aspergiu problemas por toda a parte. Aumentos astronómicos dos preços dos recursos económicos e alimentares, deslocalizações em massa e falência dos modelos sociais nos países ocidentais, são, apenas, a ponta do icebergue que se aproxima. O princípio do fim. Um mundo com motor na Ásia das Monções, um descalabro nas economias ocidentais, é incontornável.

Políticos e economistas liberais sempre defenderam que o desenvolvimento económico era extensível aos países subdesenvolvidos. Que  isso favoreceria  a economia global e todos ganhariam. Que tudo deveria ser feito para que esta globalização fosse uma realidade futura. Muitos deles, maliciosamente, defendiam-na mas no fundo sabiam-no impossível. A economia funciona como  líquidos em vasos comunicantes, como manta curta em noite de frio… Basta-nos pensar que se os mil milhões de chineses tivessem o mesmo percentil de automóveis que os americanos, a atmosfera tornar-se-ia irrespirável (que queiramos quer não) e, no entanto, é tão legítimo terem-nos como qualquer outro país.

Para que a economia global proporcionasse um bem-estar a todo o planeta teríamos que assistir a um crescimento económico brutal das regiões menos desenvolvidas (já está a acontecer em algumas regiões) e a um abrandar constante dos PIB dos países desenvolvidos (o que também já se está a verificar). Nós, “o ocidente”, passaríamos de ricos a remediados para os pobres passarem de pobres a remediados. Enfim, todos remediados. Mas ninguém está interessado em passar de rico a remediado sobretudo se, para além disso, possuir o poderio militar.

Um dia teremos um presidente dos Estados Unidos a dizê-lo às claras. Alguém tem de o fazer. Falar à nação mais próspera e imperial do mundo pré-global:

“Americanos, nosotros  somos los má solidários de entre los solidários. Nosotros representamos lo que de más fantástico  a atingido el hombre, lo más ala que la humanidad a llegado. Los que más an fecho cumprir lo grandes ideales del ser humano. Pero el mundo a cambiado e tenemos que cumpitir com otros que no se importam com el bien estar de la humanidad, com los equilibrios de la naturaleza e com lo respecho de los derechos humanos. Que gracias a esso, han cambiado la economia del mundo libre debil e estagnada e com esso se fortalecido. (...)

A partir de ahora solo iremos a tener relaciones de igual para igual com los países que respechem los derechos delos hombres, los derechos sociales e de trabajo. Nos reservaremos lo derecho de intervenir para que los recursos de paises fragiles no se quedem em las manos de predadores sin escrupulos. Nos reservaremos lo derecho de intervenir para matener lo acesso á las fuentes de recursos minerales e energéticos, mismo en territórios estrangeros.(....)

Juro defender el way of life americana e implementar las bases de um nuevo paradigma relacional entre los pueblos. Una globalizacion condicionada. Com nosotros estaran quien será como nosotros.

Dios Salve América!

 

(foda-se, como é estranho o castelhano do presidente Rodrigues Zapato)

 

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publicado às 16:49

Falas de Civilização...

por vítor, em 01.06.08

 

 

 

Falas de civilização, e de não dever ser,
Ou de não dever ser assim.
Dizes que todos sofrem, ou a maioria de todos,
Com as coisas humanas postas desta maneira,
Dizes que se fossem diferentes, sofreriam menos.
Dizes que se fossem como tu queres, seriam melhor.
Escuto sem te ouvir.
Para que te quereria eu ouvir?
Ouvindo-te nada ficaria sabendo.
Se as coisas fossem diferentes, seriam diferentes: eis tudo.
Se as coisas fossem como tu queres, seriam só como tu queres.
Ai de ti e de todos que levam a vida
A querer inventar a máquina de fazer felicidade!

(Alberto Caeiro, heterónimo de Fernando Pessoa)

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publicado às 00:09

Um Antropólogo Competente

por vítor, em 28.04.08

  Um homem, que pelo que a senhora do café disse, cigano, mijou na casa –de- banho. E onde está o mal pergunta-se?

   Malditos ciganos, não sabia o vento levá-los, guinchou a mulher do café  ( presumo que a dona do estabelecimento, entendendo o café como edifício que alberga efemeramente transeuntes carentes), armada de balde e esfregona farfalhuda.

   Mijou à parede, mesmo ao lado da sanita, nojento! vociferou impiedosamente, colocando uma cara-de-boca-de-cu.

   O homem, provavelmente levado pela ventania, não se encontrava nas redondezas, enquanto a relinchante esfregadora procurava o unânime assentimento dos carentes, efémeros clientes da globalização. Eu, que tudo sei, poderia adiantar que o vi agora mesmo entrar no barbeiro do quarteirão seguinte. Mas que interesse tem isso para agora...

   Depois do árduo trabalho de limpeza da retrete, a senhora empresária sentiu-se aliviada. A sua alteridade reforçara-se. O “nós” consolidara em ritual suspenso e ávido de movimentos de nucas.

   O dia começava a raiar quando o antropólogo entrou no café. Trazia, como sempre que trabalhava no ofício, a pele de outro. Confundia-se com o objecto de estudo. Mimetizava-se de “homo falsus”, para ser levado a sério.

   Sentou-se com a barba de cem dias. Pediu café. E, para agradar aos fregueses, uma aguardente velha. Seguramente mais velha que a sua barba e mais nova que a sua vida. A aguardente é claro. O que nada nos adianta sobre a sua idade. A dos dois é claro. A não ser que ambos tinham mais do que cem dias. O que já antes era óbvio: ninguém, com menos de cem dias, pede uma aguardente e nenhuma aguardente velha que se preze tem menos de cem dias. Que confusão. Quem disse que o caminhante fazia o caminho?! Voltemos ao caminho.

   Tragou primeiro o café com cheirinho e depois, devagar, em pequenos goles a bebida ardente. Socializando-se com gozo. O tempo parou por breves instantes. Só o vento se ouvia inquieto.

   O antropólogo sentia a nova pele aconchegar-se ao "velho" corpo enquanto um prazer intelectual profundo o colocava nos interstícios do tecido social e lhe corrompia a identidade. O tempo, como atrás víramos, parara e era preciso dar-lhe vida. A festa não pode ser eterna. A sociedade é um fluir incessante que não pode parar. Parar, como tão bem Lapalisse frisou, é morrer. Ficar encantado à espera do sapo. Ou do príncipe?

   Esticou o gozo até onde pôde e subitamente levantou-se e pagou. Antes de sair foi ainda à casa-de-banho. Depois, despedindo-se com um claro “até-logo”, entrou no vento e desapareceu rapidamente na direcção do quarteirão seguinte. Alguns fregueses pensaram a medo: que cigano simpático...

  O café entrou no remanso turbilhão (rodando para a direita como sempre acontece no hemisfério norte) da normalidade. As conversas de catação voltaram a escorrer sem fio afrouxando as tensões. Só o vento se ouvia inquieto.

   Mas o tempo, que não é previsível, logo voltou a entrar em turbilhão        ( agora rodopiando para esquerda como sempre acontece, com os turbilhões catastróficos, no hemisfério pobre) gerando uma confusão momentânea na ignorância dos clientes.

    A dona do café, que não era ingénua, tinha ido espreitar à casa-de-banho.

    Malditos ciganos, uivou. Não sabia o vento levá-los, guinchou.

   Alguns fregueses pensaram sem medo: os ciganos são sempre falsos.

   Eu, utilizando as mesmas premissas, cheguei a outras conclusões: nunca se pode confiar num antropólogo enquanto trabalha. E, manuseando outras premissas, diria mesmo: muito menos quando não trabalha.

 

   Seriam umas onze horas, duas horas passadas sobre os dramáticos acontecimentos ocorridos, quando o antropólogo voltou a entrar no dito estabelecimento comercial. Alguns fregueses, especialmente freguesas, seguiram o seu deambular ondulante, pelo café, até à mesa escolhida para pousar. Roupas primaveris e uma cara escanhoada pareciam fazê-lo mais novo. 

Mais novo que certas aguardentes velhas.

   Sentou-se e pediu um café e um queque com passas. Mordiscou o queque enquanto ia bebendo o líquido quente, devagar. Adorava a mistura dos dois. Molhou mesmo o bolo no café.

   O ambiente não se alterou significativamente com a entrada do estranho. Um caixeiro-viajante, pensou uma mulher mais nova, mergulhando em viagens para longe. O vento amainara lá fora.

  O cheiro a mijo ainda não se tinha dissipado completamente apesar da esfregadela profissional. A dona do café estava feliz. A vida corria sem sobressaltos e os momentos eram dentes em roldanas de velho relógio com corda para uma semana.

   Passado um bom bocado, e depois de umas miradas com interesse à telenovela da hora do almoço que corria na televisão, o antropólogo levantou-se, dirigiu-se ao balcão, pagou, foi à casa-de-banho e saiu despedindo-se:” até sempre”. Os fregueses responderam-lhe cordialmente e retomaram a postura de efémeros carentes sem lugar nem futuro.

      O cheiro a mijo tinha aumentado consideravelmente.

   Malditos ciganos.

   A dona do café atribuiu-o ao vento que amainara lá fora.

    

 

 

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publicado às 21:43

Criador e Criatura

por vítor, em 11.03.08


A vida, não faz sentido sem a morte. Paradoxalmente tudo fazemos para fugir a esta última. Uns escolheram o embuste já há muito traçado: a religião. Enganam a si próprios crendo numa vida eterna e bem melhor do que a sacrificada que levam, para além dela. Virgens e outros petiscos assombrosos os esperam pós-morte . E quantos crimes se cometem procurando uma passagem rápida para este mundo sensacional sem sensações. Sem sensações porque sem o bem não existe o mal. Num mundo paradisíaco não há festa, nem rito, nem mito. sem rupturas persiste a morte. A vida no "céu" é, assim, a confirmação da morte. Outros tentam, desesperadamente, sobreviver através das suas criaturas. se as criaturas têm memórias (são vidas), pode-se prolongar a vida depois da morte. Familiares, amigos, inimigos e simples conhecidos transportam-nos mesmo depois dos bichos terem começado o seu trabalho após o último suspiro. Mas estas criações efémeras depressa nos seguem no caminho sem retorno e com elas morremos outras vezes. Mais uma vez a morte nos é favorável: quantas mais vezes morrermos mais tempo persistimos vivos. Finalmente os desafiadores da morte que através da criação artística pensam livrar-se da velha senhora. Estes crêem que as suas criações serão o garante da sobrevivência histórica. Quanto maior a criação, maior (e melhor, diria eu) será a viagem pelos labirintos da existência. Fecha-se o círculo. A arte imita a religião. O eterno encerra-se no fim. A criação e o criador, o grande criador, frente a frente nos confins da planície eterna. No vazio estéril da unicidade. No retorno (eterno) ao tempo antes da vida. No regresso ao aconchego da não existência. A criatura autonomiza-se e rejeita o criador no momento da "ultima cinzelada". Seguem caminhos diferentes e por vezes antagonizam-se e anulam-se. A sobrevivência da criatura não transporta a imortalidade do criador. Nem mesmo quando a criatura se torna num mundo dentro do mundo e se impõe como parte da história da humanidade. O artefacto artístico, aliás, não existe em si. É apenas um feixe de sensações na psique dos que os apreciam. Uma miríade de complexos que os sentidos peneiram e revolvem até ao destino final, mas não último dos vivos. Quando ouço as sinfonias da Beethoven, não reconheço nelas um velhinho surdo e triste . Quando admiro os "Girassóis" de Gog , nunca me sinto transportado à húmida e sombria juventude do seu criador, nós férteis polders dos Países Baixos, quando me envolvo nas palavras proféticas de Pessoa, não vejo um ser andrógino esgazeado pelos vapores do álcool. Ao contrário de Camões, não entendo a arte e a glória como uma forma de libertação da morte. Penso na vida mais como um "filósofo politicamente incorrecto ": " Cago na imortalidade sem corpo"!

(texto meu que agradavelmente encontrei num blogue brasileiro e que acho interessante repostar)

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publicado às 22:25

Pescadinha de rabo na boca

por vítor, em 13.12.07


1 - Um homem qualquer, num café qualquer, duma cidade qualquer, insurgia-se contra a falta de educação e a violência nas escolas. Portou mal, rua. Rua da aula. Continua a ser insolente, rua da escola. A  Escola é para aprender e não para aturar quem não se sabe comportar. Não sabe aproveitar o que lhe é dado, fora.

2 - Noutro dia qualquer, aquele homem, naquele café, naquela cidade,  insurgia-se contra a falta de segurança que varria o país. Roubos, tráfico de drogas e de carne humana. Assassinatos, violência doméstica, vandalismo suburbano.

3 - Este nosso homem, neste nosso café, nesta nossa cidade é cúmplice em 1 e conivente em 2.

4 - As escolas não  podem reproduzir mecanicamente o social. Premiar quem vem já premiado. Punir quem já chega estigmatizado. De nada serve agir de forma violenta (mesmo que escudado na lei e na regra) sobre quem só conhece a violência. A Escola tem de encarar a agressividade natural de certas crianças e jovens (a brutal reprodução social é mais feroz entre os indigentes e os marginais) como um desafio. Um trabalho intensivo e desgastante, mas um desafio, diria eu, aliciante. Como um engenheiro prefere um projecto de ponte sobre um largo e caudaloso rio, a uma ponte sobre uma ribeira insignificante. Como um actor se sente realizado com Shakespeare , e se cansa de teatrinhos com bêbedos, paneleiros e cornudos ( a trilogia que tanto faz rir os portugueses e que faz o sucesso televisivo de Malucos do Riso e Prédios do Vasco). Como ler um bom livro é mais aliciante (embora exija mais empenho e trabalho) do que seguir uma telenovela do "horário nobre". Gerir tempestades é muito mais  compensador que navegar em águas mansas.

5 - Excluir, o mais fácil, é desistir de alguém. É abandonar quem só tem a Escola como meio de se integrar. Quem só no seu seio pode aceder a "um mundo novo," um mundo de igualdade, liberdade e segurança. Parece mentira, face à transpiração  da "sábia "opinião pública, mas é aqui, na Escola, que grande parte dos jovens estão protegidos da violência e das arbitrariedades do seu dia a dia. Atirá-los borda fora, para além de abandoná-los cobardemente, é condená-los à pobreza e à violência sem fim.

6 - Sem possibilidades de se integrar, uns limparão retretes ( continuarão a ser pobres e ignorantes) outros entrarão nas vidas das noites eternas. Vingar-se-ão dos integrados assustando-os e maltratando-os por gozo e, sem dinheiro e sem poder, entrarão no mundo do crime para aceder a carros de luxo, plasmas, telemóveis, poder na ponta da baioneta, mulheres, roupas fashion , e outros luxos dos ricos e remediados. O seu fim será sombrio: nos escuros calabouços ou na precoce morada eterna.

7 - Quando um aluno diz, sorrindo maliciosamente, ao seu professor "da Terra à Lua são 380 000 Klms , não são sr . professor?" O professor devia responder-lhe:"Não sei nem me interessa saber!.
Quando um aluno diz, sorrindo com desprezo, pra qué queu quero saber co Marquês de Pombal fez a cama ós Távoras?" O professor deve responder que o senhor era "mais mau" cos homens em cuecas do Wrestling e assim instigar o aluno a investigar tão interessante personalidade.

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publicado às 22:35

Antropologia e o futuro

por vítor, em 28.11.07

 

Jovem recém licenciado em Antropologia atira-se com ganas ao mercado de trabalho. Envia currículos , bate a portas, fala com amigos influentes, chega mesmo a abordar políticos  com provas dadas. Provas na arregimentarão de "colaboradores", claro está. Nada. Incompreensão, estranheza e mesmo desprezo. Desespera, quando, estaria a ver bem?, mesmo à sua frente uma miraculosa oferta de trabalho... Num circo espraiado pela clareira urbana: "Precisa-se empregado".

Não seria, certamente, o que almejava mas... circo, trabalho de campo, trabalho de campo, Antropologia. Ou não fosse a actividade circense um dos terrenos férteis da elaboração teórica dos estudos antropológicos. A ver vamos.

Contratado imediatamente, vê-se no interior da mastodôntica tenda ouvindo as características dos seu novo e primeiro trabalho. Ouve incrédulo. O seu trabalho consiste em se meter na pele de um leão e fazer-se passar por ele durante o espectáculo. Não... não será difícil e a segurança é um dos nossos lemas, o domador depois lhe dará as indicações mais específicas ao seu desempenho. Aceito, respondeu apalermado com o que dizia.

Depois da tal conversa técnica com o domador, lá se apresentou pela noite para a primeira representação. Quando ouve, pela instalação sonora, "e agora, vindo da mais impenetrável das florestas de África, o mais feroz dos ferozes animais do reino animal, o rei dos animais, o indomável leão das selvas por explorar", ainda lhe parece tudo um longínquo sonho difuso. Mas lá entra a caminho da jaula erguida no meio da arena. Debaixo dum aplauso sísmico, executa os números anteriormente combinados e executa rugidos medonhos ( ampliados por uma engenhosa aparelhagem sonora). Os aplausos redobram ribombantes. Confortam e facilitam os números desenvolvidos. Afinal, tudo parecia fácil e já se estava a ver, findo o forrobodó, a tomar notas no seu caderninho de bolso. Saltos por dentro de arcos em fogo, equilíbrios no topo de escadas e bancos de pernas altas, ascensões ao mastro espetado no meio da jaula e tudo caminha nos conformes dos conformes.

Eis senão quando se ouve pela já gabada aparelhagem " e agora um companheiro do nosso amigo das selvas, o feroz e inexcedível leão do deserto". E entra, jaula dentro um fabuloso leão, rugindo poderosamente, com uma juba portentosa e luzidia. Pelo sim pelo não, o primeiro leão trepou rapidamente pelo supra citado mastro central, e por lá ficou apreciando, como nenhum dos restantes espectadores, o desenrolar das acrobacias leoninas no terreno, passe o pleonasmo, térreo. Entraram ainda mais três magníficas feras mas o leão-empoleirado já não estava em estado de controlar o que se passava no rés-do-chão. Porém, com o passar do tempo foi acalmando. Afinal tudo não passara de um valente susto. O domador não iria repetir com nenhum dos felinos a subida ao erecto varão central. Afinal haviam-lhe dito que a segurança era a marca registada do circo. Crença de pouca dura. O descuidado domador incita o leão das areias a trepar até ao desgraçado, e já húmido, rei da selva. Cinicamente, dizia, para o cumprimentar. Quando sentiu o varejar do poste onde, de forma ridícula, se enrolava, começou a encomendar a alma ao criador. O rugido tremendo subia teatralmente, metro a metro. ao seu encontro e, quando já sentia o bafo na sua segunda pele, ouviu da tenebrosa boca do seu companheiro de artes "é pá, não há problema isto é tudo malta de Antropologia".

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publicado às 23:23

Um idiota como os outros

por vítor, em 22.11.07


A sua primeira vitória contra a estupidez foi quando descobriu que era um idiota. A constatação foi dolorosa mas, incompreensivelmente, reconfortante.
Mais tarde, muito mais tarde, conseguiu a estocada final contra  a idiotice em si instalada. Compreendeu, entranhou,, apalermado, que todos os homens eram estúpidos.
Uns mais estúpidos do que os outros, como é bem de ver.

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publicado às 22:19

Tripalium

por vítor, em 14.11.07


Não gosto lá muito de trabalhar, mas gosto ainda menos de fingir que trabalho.

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publicado às 23:31


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