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por vítor, em 09.05.23

O poema nem interroga, nem responde: o poema é um resgate impossível do nada.



O poema nem interroga, nem responde: o poema é um resgate impossível do nada. Uma porta aberta para o vazio. Ainda antes de ser dito, já fede a cadáver santificado. Antes de escrito revela já a cicatriz que o devora. Só o poeta desconhece a inutilidade da criatura neófita. Tudo o que resta dessa criatura será um rasto de sangue e sombra. Uma cicatriz feita estrada que nos conduz e oprime: um desfiladeiro de dor, grito, escorrendo para a noite. Sentado nas bordas do penhasco, o poeta crê que as acelerações da corrente são o resultado da força impagável das palavras. Varado pelo destino entontecido, perecerá.



março de 2023, Cativa

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publicado às 01:01

Na noite a sua foz

por vítor, em 09.05.23

Se um rio transporta a tua indelével solidão, é na noite a sua foz. Muitos levarão candeias para te procurar. Sem saber que é na luz que se esconde o olhar suspenso das sombras.

Não podemos esquecer o fluir dos dias isentos de dor, inúteis e de efeitos secundários maléficos. Não podemos deixar de saudar os que confortáveis navegam à boleia da corrente.

- adeus amigos, tornaremos a ver-nos no passado! Abracemos o que nunca conhecemos. Adeus!

É então que surgem na paisagem inclemente os indigentes palavrosos exibindo roupagem já gasta pelo futuro. Mentem com a sabedoria misteriosa dos bichos acantonados na tua cabeça. Rompemos a fina película das imagens e atravessamos para o interior desconhecido apenas acessível a quem já morreu.

Pela estrela irregular que o corpo rompeu na citoplásmica fronteira, a luz ilumina as trevas onde navegarás o passado irrecuperável. A quietude dos teus sonhos é um resgate impossível do amor.



Cativa, 21.03.2023

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publicado às 00:57

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por vítor, em 09.05.23

Vivemos tempos confusos, difíceis e cruéis, em que tudo parece não ter sentido, tempos como são todos os tempos. Só a morte nos livra de todos os tempos! A morte e alguma embriaguez enquanto vivos.

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publicado às 00:56

La liberté du Chien

por vítor, em 09.05.23






Enquanto passeio o meu cão, vamos sempre falando em francês. É um hábito que temos desde há muito: eu em voz alta, deliciando os transeuntes que connosco se cruzam (coitado, nem animal o salva); ele sem emitir som algum: parle avec les yeux. A vida dos cães não é muito diferente da dos homens: cheirar merda nos caminhos, o cu dos seus semelhantes e mijar por todo o lado marcando território. Até uma trela nos conduz pelos destinos que trilhamos. Quando cheiramos um osso, somos capazes de esgravatar a terra e desenterrá-lo mesmo a grandes profundidades. A terra e as pedras esgravatadas atiradas para cima dos outros, cobrindo de pó as superfícies. Sujando quem se atravessa. Viens! Ne me quittes pas! O meu cão é teimoso como uma pedra. É quando tenho pressa que ele mais se aprimora na sua atividade arqueológica. Chega mesmo à arte da espeleologia. Se lhe desse tempo chegava à Nova Zelândia. Às vezes, tenho que ser bruto e puxo-lhe a trela com força. Esganando-o. Tu me emmerde, chien! Olha para mim com os seus olhos tristes de incompreensão e faço-lhe umas festa como que a pedir desculpa. Mon ami. Escusez moi! Quando era novo, o canídeo, andava à solta pela quinta e pelos campos em redor. Era feliz! E eu também: porque o via feliz e porque não tinha que o passear pela trela. Só que, como seria de esperar para um humano medianamente inteligente, cão à solta igual a problemas à solta. O malandro começou a frequentar quintas vizinhas com galinhas livres e a trazê-las para casa. Quer dizer, a trazer as suas carcaças. Um dia a minha mulher tropeçou numa metade de galinha à porta de casa. Partiu os dois dentes da frente do maxilar superior e a brincadeira custou-nos para cima de quinhentos euros.Outra vez apareceu-me a GNR em casa com uma queixa de um vizinho que tinha sido perseguido pelo Matrix na sua zundhapp. E, o que determinou a sua vida futura, foi a cena bíblica com que me deparei um dia quando cheguei a casa depois de um duro dia de trabalho: uma mulher gorda, enorme, de grande chapéu de palha, esperava-me com uma galinha gigante pendurada numa mão, enquanto com a outra geria os saltos raivosos do animal, com um valente cajado sem moca. Lá acalmei o cão, arretez toi, tais toi!, e a mulher com uma nota de 20 euros. Era galinha do campo e já estava encomendada na cidade. Ainda ponderei pedir a demonstração da prova do crime, mas, conhecendo bem o criminoso, achei por bem não o fazer. Conflitos com vizinhos são o pior dos infernos da vida no campo. O próprio homem da mulher da galinha, disse-mo um outro vizinho, já tinha ameaçado dar "um tiro no cão e outro no dono". Uma tarde, já bem tarde, depois de desaparecido por três dias, o pobre animal, chegou a casa, desorientado e em pânico, com uma corda atada ao rabo com meia dúzia de latas dependuradas. Tive que tomar decisões drásticas e, quanto a mim, acertadas: criminoso em prisão preventiva, de factum perpétua, no quintal, e longos passeios pela quinta com a caçadeira do meu avô ao ombro. Não disparava, a dita, um tiro há mais de 50 anos, mas isso só eu o sabia. O presidiário era contemplado com dois passeios diários pela trela. Exigia-os quando chegava a hora e parecia tão feliz quando passávamos a portada retentora que me parecia mais feliz com esta nova situação do que quando era totalmente livre. A liberdade a conta gotas torna-se num vício definitivo. Continuámos, é claro, a conversar na língua de monsieur de La Palice.












 

 

 


 



 




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publicado às 00:55

Políticos

por vítor, em 09.05.23






Os políticos estão-se a tornar, cada vez mais, naquilo que o povo, seja lá o que isso for, acha que eles são.












 

 

 


 



 




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publicado às 00:54

o vento sopra de frente

por vítor, em 09.05.23

Não há como sentir a animação que vai lá para trás. O vento pela proa torna-nos mais fortes. Mais eternos!

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publicado às 00:52

Festivais literários

por vítor, em 09.05.23






"Como escritor, nada mais tenho para dizer do que aquilo que já disse através da minha escrita. Sendo que o que foi dito foi quase nada."

Resposta do poeta Edgar Lua a um "honroso" convite para um "importante" festival literário.











 

 




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publicado às 00:51

Corredores Habitados

por vítor, em 09.05.23
Uma viagem à memória do que resta nos dias que passam. Um presente intenso, tortuoso e belo desligado do tempo. Dos tempos. Onde o bem e o mal, o inestético e o estético, a moral e a ética, se banham, fundem e confundem, em dança teleológica, numa sopa que escalda os lábios do leitor. Carregando vidas que se expõem como se nunca tivessem existido. Mas, mesmo assim, flamejantes, traçando caminhos que bordejam as perigosas paredes dos abismos. Dos penhascos por onde caminhar nos rouba, oculta, a vontade de exibir o desejo. O desejo da morte!

Um dos mais impressivos e espantosos livros que li nos últimos tempos.

Os Corredores Habitados, Adão Contreiras, edição Associação Casa-Museu José Pinto Contreiras, Gorjões, 2022.

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publicado às 00:49

vanity press

por vítor, em 09.05.23
Com as vanity presses, ao menos sabe-se ao que se vai. Funcionam, nos dias que passam, quase; na poesia, quase sempre; da mesma maneira do que as editoras tradicionais, mas não conseguem ocultar o rabo. As outras, sérias, são especialistas em camuflagem de partes baixas. As primeiras, ao menos, poupam os amigos...

Havendo dinheirinho, haverá circo. E se o circo não for vistoso, mudam-se os palhaços.

vanitas vanitatum et omnia vanitas.

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publicado às 00:47

O incómodo pólen das flores.

por vítor, em 09.05.23

O pólen das belas flores, dos magníficos arranjos florais, que tão gentil e genuinamente são ofertados em ocasiões especiais, em rituais institucionalizados; ou, simplesmente, como forma de afeto; é, delicadamente, extirpado por sapientes mãos. É só para evitar os espirros. Já viram o que era toda a gente a espirrar numa capela mortuária? Ou numa cerimónia matrimonial? Ou na posse do senhor presidente de alguma coisa! Ou na apresentação de um livro de poesia!



A autenticidade é uma intrusão indesejada na cultura.

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publicado às 00:46


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