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Ainda há pouco era noite e a felicidade submetia-se à fúria de bares esvaziados. A calmaria instalou-se nas minhas mãos. Se as nuvens cortassem o oceano, seria o fim dos obstáculos viris que se desprendem do horizonte.
Dionísio gostaria de poder embalar todas as nossas mágoas mas, tal como a noite, é impotente. Sentei-me na borda de um barco enraizado nas dunas, olhando as oliveiras brincando ao amanhecer.
- Olá, sorri-lhes. Desgraçadas, vencidas pela modernidade, essas alumiadoras do mundo através dos séculos. Brincam ainda...
A madrugada levantara-se violenta, borrifando os meus olhos cansados com luz a jorros. Sinto vontade de me erguer no céu em chamas. Amacio um cigarro entre os dentes. Ainda há luzes acesas na povoação. Guardam o sono, dos espíritos selvagens da escuridão.
A minha aldeia é um barco com cadastro político, um caminho turvo onde se trocam coktails molotov. Um caminho turvo na ponte de um barco. Nesse barco passo todas as noites de insónia à volta com entes esquisitos à babuja dos meus restos.
Se houvesse poetas, o Outono seria a época do ano eleita para os seus cortejos fúnebres. No meu (teu) barco não há poetas. Não há dissidentes nas aldeias onde nasci. Qualquer cemitério me pode separar da paixão pela confusão das montanhas cheias de vento.
Ainda há luzes acesas e sonolentas na povoação em chamas. Lembram pássaros acocorados sonhando com marés de petróleo.
É sempre difícil construir num mar de destruição e paranóia.
Um caminho turvo onde se trocam coktails de molotov, surgiu na ponte do teu barco.
Elegantes a passear-se em cadáveres famosos, babando excreções ácidas, amando a nudez da noite semi-adiada. Os bares sem pensamento não existem há muitos anos, consumidos por mágoas e desenganos.
Eu quis beijar-lhe os seios, ela embebedou-se e riu: sonhámos até a mãe nos acordar.
Que faço aqui, sentado nas bordas de um barco enraizado nas dunas geladas, olhando as oliveiras brincando ao amanhecer? Consumo a noite.
Levanto-me subitamente e mergulho no dia. Poeta aonde vais? Lapidar os ossos no cais?( versos de um amigo) Os amigos são bocados de silêncio à espera de encontrar a razão onde o vazio estoura a saudade.
Mergulho no dia e tropeço na noite caída, no entanto, vou esperar que os intelectuais racistas ( todos os intelectuais são racistas) se instalem à beira do precipício a saudar os cadáveres célebres. Então, sem os empurrar, hei-de gritar:
- Olhem os barcos, bocados de bebedeira despedida por excesso de zelo!
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