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A apanha da alfarroba é, tradicionalmente, uma actividade verdadeiramente científica: 1º- Uma equipa raspa e limpa o terreno por debaixo da copa das árvores, 2º- A mesma equipa procede ao varejamento das árvores (estas duas tarefas são feitas por homens), 3º - Finalmente uma equipa de mulheres procede à apanha e ao ensacamento.
Cada vez mais se deixam ficar as alfarrobas nas árvores e no chão. O trabalho é duro, moroso e cada vez compensa menos. A concorrência dos países do Magreb está a deixar os agricultores à beira do desespero. A alfarroba, que ainda há pouco era vista como a possível saída para os agricultores, e muitos investiram em novos pomares no últimos anos, está também a tornar-se um pesadelo para os camponeses algarvios. Não precisando de regas, de adubos químicos ( a própria árvore se auto fertiliza com a queda constante das folhas), de pesticidas, fungicidas e outros cidas " , beneficiando do aumento da procura nos mercados internacionais (chocolates, rações, produtos alimentares e medicamentos) a alfarroba era vista como o verdadeiro maná da agricultura do Algarve. Só que a procura crescente abriu o apetite a outros produtores internacionais com uma mão-de-obra baratíssima com a qual não podemos concorrer.
Hoje passei a tarde a varejar e a apanha alfarrobas. Nada de cientificidade que a equipa era eu próprio e mais ninguém. Eu varejei, eu apanhei, eu ensaquei e eu transportei para casa. Escusado será de dizer que ninguém raspou nem limpou, previamente os solos, o que me valeu dedos e mãos arranhados e a sangrar nas inúmeras plantas espinhosas que abundam sob as copas das frondosas árvores. Sobretudo as terríveis espargueiras , que rasgam a pele ao menor descuido.
Valeu a pena? Bom, do ponto de vista económico, não muito. Pelas minhas contas por alto apanhei 8 arrobas o que, a 5 euros a arroba, dará 40 euros em 4 horas. Portanto 10 euros à hora. Isto tendo em conta as arranhadelas, o calor, os mosquitos, a sede (esqueci-me de levar água e estava bem distante de qualquer abastecimento), as cabeçadas nos troncos, o risco corrido ao trepar à árvore para varejar lá no alto e ao belíssimo dia de férias que deixei de gozar.
Valeu a pena, pelo silêncio e pelas horas de reflexão. Pelo enfrentamento comigo mesmo ( a paisagem envolvente com a ribeira do Almargem a serpentear e a entrar na Ria Formosa, ajudou certamente bastante). No entanto, eu ateu, cheguei a casa parecendo consolado com o sofrimento cilicial ” do cristão que se encontra a si mesmo quando experimenta o sofrimento e a tortura auto infligida.
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