"O mar do Algarve é feito de cartão como nos cenários de teatro e os ingleses não percebem: estendem conscienciosamente as toalhas na serradura da areia, protegem-se com óculos escuros do Sol de papel, passeiam encantados no palco de Albufeira em que funcionários públicos, disfarçados de hippies de carnaval, lhes impingem, acocorados no chão, colares marroquinos fabricados em segredo pela junta de turismo, e acabam por ancorar ao fim da tarde em esplanadas postiças, onde servem bebidas inventadas em copos que não existem, as quais deixam na boca o sabor sem gosto dos uísques fornecidos aos figurantes durante os dramas da televisão. Depois do Alentejo, evaporado na paisagem horizontal como manteiga numa fatia queimada,, as chaminés que se diriam construídas de cola e paus de fósforos por asilados habilidosos, e as ondas que se diluem sem ruído na praia do croché manso da espuma, faziam-no sempre sentir-se como os bonecos de açúcar nos bolos da noiva, habitante espantado de um mundo de trouxas de ovos e de croquetes espetados em palitos, a imitar casas e ruas...
"O Conhecimento do Inferno", António Lobo Antunes.