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Do pó das escadas
dos novelos das estalagtites
das aranhas
ressurgem as memórias da ternura
das tuas mãos prestáveis
à procura de uma pequena luz deixada ca-
ir no chão: um beijo
na sincera era do galope.
Estarás em casa?
A seta indica o regresso da tribo intacta:
tua boca na minha rua pelo universo fora.
Ver-te-ei daqui
quando te sonho fora do sonho?
O arco-íris do vento
das searas no polegar dos pastores
tem constelações de Miró na cabeça. Ora
essa:
na paisagem constipada
quando perco alguns sossegos
começo a sair à noite
repenteado de morcegos.
A progressão aquática da vírgula descalça o
náufrago – olhos de dezembro
na miopia das areias rastejantes, é assim
o recomeço de todas as linguagens.
A árvore o barco a quilha da vicissitude
aquática
o mimetismo da espuma no núcleo
da sombra
quem espreita pela fechadura de deus?
eis um resultado nómada.
40 braços do que pensas enquanto
o sonho levanta uma heresia?
A progressão aquática da vírgula
descalça o náufrago.
Julho é sempre um mês de adormecer
sobre a água. Ou de morar dentro das
árvores e demorar. Tanto faz. O corpo
não hiberna nas ideias nem nunca é julho.
Sou filho do espanto e não sei pensar.
Minhas palavras não sabem dizer
bom-dia. Nenhum sexo rima nenhum
pudor sonha. Sequer o meu barco é de
papel. A minha poesia é apenas pura dentro
do sono mimético da curva: o olhar parado
na sua estreiteza – a sede a miragem
o deserto.
Julho é quase sempre um mês de adormecer
sobre a água. Mas a saudade não deixa
ninguém dormir. Devo dizer: julho,
esse lento animal, é este tempo de sonhar
sobre o começo da pele na nudez incerta…
Da água nascem os bichos, único gesto
que se desprende do mar;
a mesma ilha sobre o dia.
Todo o homem merece um automóvel
(um automóvel melhor)
um cão para vigiar a virgindade das plantas
uma língua tatuada de camões
e um saco de plástico
para as indisposições…
Todo o homem merece… um sexo de dúvidas
Acompanhado de drogas legais
Um papagaio
Uma criada nua…
Todo o homem merece… uma ilha
Peneirada por borboletas nocturnas
Uma nota de música
A dizer-lhe que está sozinho
No centro da tela
Dos animais da sua cabeça…
Todo o homem merece
O seu nome de papel d embrulho…
AS PERNAS INTELIGENTES
para Rui machado
ou a felicidade por um fio
“O protagonista não concorda com o espelho”
Almada Negreiros
nunca é triste dizer que sem a mulher
as palavras não seriam
a erógena maré sempre revisitada.
as pernas inteligentes dominam a paisagem
se um pássaro respira na curva dos joelhos
que nome dar ao princípio da alegria.
dize se uma lágrima
não pousa no recanto dum lábio
entre uma ternura uma cerveja.
as pernas intocáveis já não são
o centro do século
as ninfas pereceram sob os pés
brilhantes n areia.
compreender não é vulgarizar pres-
sentimentos
mas
os fios da libido que tecem a madrugada
conduzir-me-ão ainda a uma pele
sem riscos de moedas.
“A mulher com quem o protagonista vai
já não é a mesma que vai com ele”
Almada Negreiros
o lugar dela à janela
os dentes quase gastos das pastilhas
os cães.
(de Rui Dias Simão)
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