Confortável crepúsculo que te introduz
Na noite velha. Gafanhotos de metal assomam-se por entre a chuva cansada
Que asperge as ostras renegadas, cidades condicionadas aos tempos rudes de antanho. O que a noite rege trará novas feitiçarias aos nossos olhos e rasgará cicatrizes de vinho nos calcanhares dos que calcam o chão consagrado. Assim renegamos o vírus que se desprende da pele e oraremos sem dor ao longo do caminho ensanguentado. Viagem ao corpo impróprio do anacoreta sem rosto, à superfície áspera da pele escamosa e queimada pelo tempo inclemente dos animais sem linguagem. Quando viramos a embarcação para Levante, os rios parecem desenhar deltas pantanosos na imaginação dos peixes. Navegamos, então, com o vento pela proa, os cabelos soltos enredados no mastro que se ergue do cavername, a vontade de enfrentar o mar imenso. A vontade de erguer os braços ao teu encontro. O cobalto que tinge as águas inquietas é um convite à nossa cumplicidade letal, a possibilidade de continuarmos juntos através das marés inúteis revela a profundidade do oceano emético do amor. Continua com as mãos rente à face das ostras vagabundas repetindo os sinais que ocorrem no final da tarde adormecida. Ninguém sabe como se chamava o silêncio ardente que flutuava na planície do aquário. Ninguém é capaz de criar uma imagem do passado quando caminha para trás: é do futuro que as rosas cobardes enleiam as pessoas inertes. É do futuro que as tempestades arrancam as memórias travestidas de verdade. A ti quero enraivecido de desejo.
Não podemos esquecer os tormentos da caminhada que iniciámos juntos: a dor de desistir conduz-nos ao vazio das horas inacabadas, da impossibilidade hiante das criaturas insanas. Nunca seremos o que nunca fomos quando se vê ao longe a intensa claridade da morte.