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últimos (despedida) página 112

por vítor, em 13.05.14

 

"Saímos já a noite se prepara para deixar a cena e a abóbada celeste resplandece estrelada. A chuva acompanhou a noite e com ela voltará. Outras vezes. Sempre. Sempre para nos aconselhar. Juntas ou separadas, para confortar a nostalgia. Bandos de gaivotas guincham no crepúsculo seguindo o rasto das traineiras que regressam da faina. Amanhecia com a luminosidade dos dias que procedem a chuva. Ainda havia luz no Texas. Penetramos na penumbra fosca da casa. Nat King Cole e a filha, Natalie, amparam o único casal que dança no centro da pista. Toda a luz lhes pertence. E a música. Unforgettable. Quase não se mexem. O homem, velho sem idade, sobrecasaca até aos joelhos, olhos cerrados, repousa os lábios, adivinham-se baços, num seio desnudo da companheira, jovem como o dia. (Rosa incandescente iluminado a noite.) Regresso ao amojo materno. Dançam como se o tempo se tivesse esgotado e esperassem outro combustível que o pusesse em marcha para continuar a vida de todos os dias. Desse vida à pesada engrenagem do devir. A realidade impositiva.
Vendo-nos no hall de entrada, um empregado sonolento explica-nos que espera o fim da dança para fechar a casa. O homem é cliente antigo e a cliente antigo nada se nega. Saímos surpreendidos com a claridade da madrugada. O empregado diligente presenteou-nos com duas cervejas. Caminhamos pela Ribeira das Naus e acabamos a noite, e as cervejas, no Cais das Colunas.
O Sol, erguendo-se na lezíria, incendeia o Mar da Palha. De ouro e bronze. Será a última vez que nos vemos. A distopia vencerá a eternidade. Para sempre restarão os sorrisos cúmplices varrendo a alegria de viver. Não haverá mais tempo para reencontrar o que é surpreendente sem causar espanto. O espanto nunca existiu. É apenas um rumorejar na noite dos tempos que contempla o cenário dos malditos aprendizes de ilusões. Agora, é tempo de recuperar os dias votados às aprendizagens inúteis. Deitar fora o que não marcou o corpo, sinais inscritos no que mais importava. Para isso, viver será o derradeiro desembarque na música celestial. Nas abóbadas do mal. No mundo regido pela embriaguez da tempestade. Colapso marcando o final do ciclo que nos trouxe até aqui. É já na eternidade do silêncio que caminhamos, costas com costas, quando os nossos passos se afastam. Se afastam de nós. Numa eternidade que é o reverso de toda a eternidade.

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