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Hoje, dia 12 do 12 do 12 revela-se o VI Prémio Cativa. Excecionalmente o prémio é atribuído pela segunda vez a Ricardo Araújo Pereira. No cinzentismo que asfixia o país. Na crise sem fim à vista, Ricardo, com o seu programa na Comercial, Mixórdia de Temáticas, continua a desocultar os pés de barro dos poderosos e dos profetas da desgraça. Com um humor inteligente e corrosivo, um sarcasmo que desconstrói os alicerces da moralidade imoral, disseca o corpus da nação revelando a podridão dos tecidos contaminados pela mediocridade dominante. Faz-nos rir e sorrir, dá-nos o que não encontramos nas vidinhas quotidianas da realidade. Ele torna-nos a vida mais suportável e feliz. É, por isso, uma honra para o Quinta atribuir-lhe pela segunda vez o prémio.
p.s. Passando a ser o ano superior ao mês (ano 13 maior que 12) passaremos a revelar o Prémio Cativa no mês de aniversário do blogue, ou seja no mês de maio.
Algumas vezes os milagres acontecem
Nas esplanadas do café, não chegam a horas
Para acordar quem precisa de repousar
Das loucas filas que se estabelecem
Nos esconsos armário da felicidade.
Há pessoas que tomam pílulas para dormir
Quando descobrem que a vigília é um estado
Terminal que visa perpetuar as conversas ambulantes,
As serpentes que perseguem as caras que emergem das noites.
Pesadelos ambiciosos no sono inútil, cancro que se instala
Nas ideias que fumegam nas chávenas de café.
O café é forte e o empregado atende as velhas
Com malandrice concupiscente. Ali, só a morte
Impõe o cumprimento da vida. Se não morrêssemos,
Ninguém largaria uma conversa a meio, ninguém
Se levantaria da esplanada fria sem se despedir
Para sempre. Todos fumávamos e ríamos e troçávamos
Da inflação, não haveria subsídio de férias, nem paraísos fiscais,
Nem mesmo bancos na Suíça. As férias seriam eternas
E a sobrevivência estava assegurada pela imortalidade.
Não haveria ambivalência nos escritórios onde
Se negoceiam as dívidas soberanas e as agências
De rating não fariam poemas atirando dados.
Nas esplanadas continuar-se-ia a tomar café,
Talvez aguardente de medronho da serra, as velhas
Seriam mais velhas, pois a morte nunca chegaria,
E os coveiros frequentariam workshops, fazendo
up grade dos ossos que manipulavam,
E passariam a exercer carreiras de sucesso
No mundo da alta finança.
No crescente e rentável negócio das esplanadas,
O tráfico de influências daria lugar a happenings
De solidariedade social, performances plásticas
Sem redundância nenhuma, sorteios de ganâncias
Desprovidas de valor ou meetings de pontos de vista dejá vus.
O vil metal chegaria de mercedes-benz, e de carro funerário,
E no coche barroco do falecido d João 5º.
Falecido??!! O que é isso?, perguntariam as crianças
Post mortem. No passado as pessoas morriam,
Ausentavam-se para sempre, explicaria um transeunte
Manhoso, erguendo, respeitosamente, os olhos ao céu.
Há cadáveres famosos que nos enformam os desejos.
Teimam, mesmo defuntos – descansados sejam -, em alienar-nos
O pensamento, em gritar fazendo estremecer as pedras
Tumulares. Se não morrêssemos, o futuro não seria o vazio
Que tentamos escravizar, o mundo que não conseguimos
Desocultar quando avançamos na escuridão.
Na esplanada os pássaros depenicam partículas
Recebidas por correio eletrónico, provocam os adultos
Com peidos monumentais e sorriem às crianças
Que os escolhem para amigos desinteressados.
Se não morrêssemos os cientistas deixariam
De tentar explicar as coisas e tentariam interpretar o nada,
O nada e a sombra que anuncia o fim sem fim. Nem é fácil
Imaginar o poder dos mecanismos que regem os mercados,
Nem fácil colocar bombas nas instalações dos bancos de investimento.
O grito fascista que ecoou na Ibéria profunda encontra
Seguidores nos caminhos irregulares dos desvalidos.
Viva la muerte, será o regresso às origens onde o vento
Açoita a tarde.
Nas esplanadas voltarão a ouvir-se os lamentos
Das vozes que reverberam as parangonas dos jornais.
VRSA, 21/11/12
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