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Quando se anda na rua, não tem problema. Retiras o macaco, rola-lo entre o polegar e o indicador e, quando já perdeu a humidade e não cola aos dedos, atira-lo, redondinho, para o chão. No automóvel, o processo é quase o mesmo. Só tens que abrir o vidro da janela e aventá-lo ao caminho. Não tem problema. As caretas que ofereces aos transeuntes enquanto pescas no estreito túnel não se distinguem das caras que se confundem nas vidas sem sentido.
O pior é quando as obstruções sólidas das cavidades nasais acontecem na cama. Na horizontalidade do sono ou nas convulsões da insónia e do sexo. Há já algum tempo que resolvi este problema. Dedo indicador revolvendo o habitat onde se criam os entes viscosos, unha em função de anzol retirando o inquietador, operação desumificadora com a sua rotação, já referida, entre o polegar e o indicador e … redondo, redondo, colocação do macaco extraído em cima da mesa-de-cabeceira. Ao lado dos livros incompletos, do relógio e dos anéis.
Quando o montante atinge quantidades incompatíveis como regular funcionamento de uma mesa-de-cabeceira, fora pela janela. Escusado será dizer que um monte de macacos se acumula do lado de fora da janela quase até ao parapeito. Parece uma obra plástica saída de um museu de arte contemporânea. E até fica bem no conjunto pimenteira-bastarda, pinheiro, buganvília, que assomam à janela. No entanto, não sei bem o que lhe faça. Ontem, o vizinho, o da barba azul, um homem estranho e educado, pospôs-se-me comprar o monte de macacos inertes. Rejeitei categoricamente. Vender algo que é meu e acumulei com tanta paciência e tempo, não me pareceu boa ideia. Mas passei o resto do dia e o que já passou do de hoje a meditar sobre as ideias do meu vizinho em relação ao destino para aquele monte de esterco. E, agora mesmo, alavancado pela febre da curiosidade que me é própria, decidi, sem pensar, vender-lhe o que me saiu do corpo e tanto tempo levou a edificar. Só assim poderei saber o destino que lhe está reservado.
M.G. 10/04/12
Não tem importância, nunca teve,
é uma gramática da pele, irrompe
sempre que as calmarias assentam
na reflexão contemporânea do olhar.
A importância das coisas é, ainda,
o panorama do silêncio para além das paredes,
conversa publicada no obrigatório confluir
das cerejas mordendo a própria língua.
Na tua luz a minha fala não tem
importância, filha da puta zurzindo
as ameixeiras que cada escritor ama.
Regressas à terra onde os gambuzinos te
inspiraram as primeiras, e únicas, palavras,
à terra que apenas existia debaixo
dos teus pés, à terra fragmentada
no imaginário inquieto das traseiras
do teu quarto. Porra! Eras um miúdo
distraído, cantarolaram as velhas
da aldeia atirando as orelhas para
o interior das almas fedendo a antanho.
A trilogia nauseabunda, extirpada
por arqueólogos assassinos que procuram
o mal oculto nos corpos, cega a vida virtuosa,
as pontas soltas dos devir: passado, presente e
futuro numa amálgama coberta de pó. O jogo
completa-se quando se juntam aos arqueólogos
assassinos companheiros vindos das profundezas
dos abismos dedilhando teclas de pianos “au menier”.
Foda-se, disseram em uníssono os escavadores de projetos
adiados: mineiros, autopsiadores, coveiros e poetas.
Escancararam portas para o profundo e iniciaram
uma digressão pelo mundo das sombras, questionando
o velho e o novo que se esvai em ninguém. Em
perguntas estéreis que ecoam nos complexos
jardins de carbono, viajando na infância precária.
Na comédia instrumental que percorre a noite
só os coveiros conseguem resultados tangíveis
e metamórficos: teorias da morte ou deriva das
paixões. A terra que volta a cobrir
o que confundiu a paisagem dos desafinados
caminhantes das sombras, xamanes da putrefação
divina, revela uma única verdade,
só uma, que amontoa escombros nos corpos
intumescidos. Só o poeta engole a última garfada:
o assassino da vida escassa, das asperezas da língua
silenciando o amargo estertor do sonho.
Não tem importância nenhuma, nunca teve.
Amém!
M.G. 10/04/12
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