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Era uma pedra dessas
Desatentas e frias
Dando conta das transferências
Suspeitas do que acontecia
Na planície em fogo destruída
Pelos momentos contidos
Que o medo anunciava.
Dessas sentadas na ordem
Eventual e permanente, no
Inexplicável esquecimento
Reduzido aos arguidos que
Encomendam as lágrimas.
À sua volta tudo mexia:
o pó, a areia, os entes
Que por si se deslocavam,
As árvores esparsas
Tudo se movimentava
Insensível à constância
Da pedra.
Alguns, raros, tropeçavam
Na pedra e interrompiam
A corrente dos que desfilavam
No plasma incontinente.
A gramática da pedra não
Exige compreensão profunda:
uma pedra resiste à análise da sua alma,
Da essência onde repousa
O entendível. O que resta
Induz o turbilhão e a
Mudança nos fluxos envolventes.
Para o entendimento
Da correnteza é preciso parar.
Na inércia contemplamos
A mudança e abrangemos
Os elementos que se arrastam
Nos atritos que cicatrizam a pele,
As peles diversas que vestem
Os incaracterísticos materiais,
As coisas que flutuam no nada.
No algo que se confunde com
O nada aspergindo o todo
Que projeta e comporta o sonho.
Tropeçar na pedra é um
Jogo de azar que o tempo
Corporiza no pesadelo paradoxal.
Era uma pedra dessas
Desatenta e fria…
A paralisia que governa
A papoila delirante
Grita na noite esquecida.
O som que se esvai por entre
O prazer das voltas no leito
Duro das certezas
É um elixir divino rasgando
As vestes da tua irmã. A tua
Irmã que amas sentado
Na escada que conduz
Ao fogo purificador da culpa
Onde a moral asperge
O castigo ancestral da nobreza
Avançando na memória cruel
Do precipício.
Avanças no teu bocado
De amanhã e o dia estende-se,
Sem propósito visível, por entre
Os sacrifícios da canção dolente.
A viagem é definitiva e o acordar
Cerimonioso do coração embriagará
A planície hilariante.
Cativa, 11/5/2011
Lamento dizer-vos, sobretudo pelos possíveis danos causados às virgens úteis e aos crocodilos do costume, mas aqui tem habitado a melhor poesia dos anos 2010 e 2011. E a provocação nem é muito substancial...
No infinito não há portas
Apagaram as luzes e as questões ficaram para o fim. A breve história, que te apresentaram como metodologia para te encontrares, é um distúrbio na capacidade de enfrentar a desordem e inverter o processo que conduz à unidade mínima do amor. Queres questionar a fala dos outros, o discurso que avança na escuridão e revela a conversão da memória criando dificuldades à compreensão da linguagem. Apagaram as luzes e as certezas que alimentam as almas discretas recuaram até ao abismo das palavras primitivas. És uma bebé que sai à rua pela primeira vez. O mundo é novo e as folhas das árvores acenam-te da infinidade das almas. Nas trevas impostas, conduzes os passos acompanhando o sussurro da manada. Sem claridade, o melhor é perseguir a manifesta vontade da multidão que caminha flutuando na noite artificial e vazia. Aqui, sentes o reconforto do calor que se escapa dos corpos, a ausência de pensamentos. Só interessa caminhar na direção do infinito. Só o infinito poderá circunscrever o desejo que transportas. Nunca te ajudará a encontrar as saídas das sombras. Só saímos, ou entramos, quando há limites que interrompem as planuras, só ultrapassamos as barreiras quando nelas cavamos portas e janelas. Quando as saltas, por encantatório que te pareça, não ficas a conhecer a sua substância e, assim, não as ultrapassas verdadeiramente. A massa informe que integras, sem conhecer os teus parceiros de caminhada, irá um dia confrontar-se com o fim do pisotear do chão antigo. O mais provável é o voltear de cabeças, o recomeçar da estrada escura até uma outra possibilidade de confronto com o fim. Com a pluralidade da renovação das pegadas na pradaria brutalizada. É quando a horizontalidade esbarra com o muro violento que deves procurar chegar-te ao fim que promete o princípio. A manobra é de uma perigosidade extrema perante a deriva translacional da manada. A liberdade vem sempre após um limbo de perigosidade extrema. Se escapares ao esmagamento da dor que te acompanha, estarás (enfim?), só entre ti e o obstáculo que te limita a visão do que está para lá do fim. Ainda não chegaste aos territórios onde a tristeza é uma forma de ser livre como outra qualquer. Ainda tens que abrir uma passagem no muro de silêncio que se ergue à tua frente. Ainda estás a tempo de voltar e integrar o silêncio, regressar ao conforto dos sussurros que evoluem na obscuridade. (lembra-te que apagaram, há muito, as luzes) A escolha é tua. Só tua. Não é uma questão entre regressar e renascer: o renascimento é, ele próprio, um regresso. Um regresso ao futuro. O futuro é a tua escolha. Ousar enfrentar o desconhecido ou aceitar a benevolente oferta do caminho trilhado no pó que se levanta das trevas. Para lá do muro, existe um mundo sem portas nem janelas pejado de cadáveres que se atreveram a ser livres. O infinito é uma prisão sem referências. Não há portas para abrir na imensa vastidão sem fim.
VRSA 24 de Maio de 2011
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